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Morte de Elvino Dias: "Ato hediondo e de intimidação"

DW (Deutsche Welle) | Raquel Loureiro | Nádia Issufo (Maputo)
19 de outubro de 2024

Multiplicam-se as reações à morte de Elvino Dias. PRM fala em "assuntos conjugais". Analistas ouvidos pela DW entendem que mortes são "tentativa de silenciar" o povo e "não se podem dissociar do processo eleitoral".

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Elvino Dias, advogado de Venâncio Mondlane
Elvino Dias foi morto, na madrugada deste sábado (19.10), em MaputoFoto: Romeu da Silva/DW

Moçambique acordou, este sábado (19.10), em choque com a notícia do assassinato do advogado do candidato presidencial Venâncio Mondlane, Elvino Dias e também do mandatário do partido PODEMOS, Paulo Guambe.

A polícia moçambicana confirmou ao final da manhã deste sábado que a viatura em que seguiam os dois cidadãos foi "emboscada" e que um terceiro ocupante ficou ferido.

"Foram abordados e bloqueados por duas viaturas ligeiras de onde desembarcaram indivíduos que, munidos de armas de fogo, fizeram vários disparos que provocaram ferimentos e a morte dos indivíduos acima identificados", disse à Lusa o porta-voz da Polícia da República de Moçambique (PRM) da cidade de Maputo, Leonel Muchina. 

Segundo o porta-voz da PRM, as vítimas tinham estado a confraternizar num mercado de Maputo, tendo ocorrido "supostamente" uma "discussão derivada de assuntos conjugais", de onde "posteriormente terão sido seguidos".

"Naturalmente que condenamos o crime hediondo e garantimos que estamos a tomar todas as medidas conducentes ao esclarecimento do caso", disse Leonel Muchina.

Na sua página da rede social Facebook, Venâncio Mondlane lamentou o sucedido. 

PODEMOS: "Foram assassinados por motivos políticos"

Em reação, Albino Forquilha presidente do partido PODEMOS, diz que Elvino Dias e Paulo Guambe foram mortos por "motivos políticos". 

"No nosso entender eles foram assassinados por motivos políticos (...) Foi uma morte planificada e preparada (...), tendo em conta também o contexto em que estamos, com o partido a fazer uma luta pela luta justiça eleitoral. Estamos a terminar agora impugnações a nível dos distritos porque as eleições foram fraudulentas", declarou.

Albino Forquilha, que falava esta tarde à comunicação social no local onde as duas vítimas perderam a vida, desmente a versão da polícia, dizendo que os responsáveis pelo duplo homicídio usaram armas do tipo AK47. 

Albino Forquilha, presidente do PODEMOS
Presidente do PODEMOS diz que Elvino Dias e Paulo Guambe foram mortos por "motivos políticos"Foto: Delfim Anacleto/DW

"Estes assassínios que ocorreram aqui não diferem do que aconteceu em 2019 [ano em que o ativista moçambicano Anastácio Matavel foi morto a tiro por um grupo composto por elementos das forças policiais, nas vésperas das eleições gerais]. São pessoas do nosso sistema, comandados pela Frente de Libertação de Moçambique [Frelimo]", disse.

Também numa nota divulgada no Facebook da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO) e assinada pelo seu líder Ossufo Momade, o partido repudia “este ato de violência brutal que resultou na perda irreparável de dois cidadãos que, de forma distinta, contribuíam para a promoção do Estado de Direito Democrático em Moçambique”.

O assassinato de Elvino Dias e Paulo Guambe é “uma afronta direta aos princípios fundamentais de respeito à vida e à dignidade humana, valores que todos devemos proteger”, acrescenta.

"É um crime de Estado"

Em reação ao sucedido, o coordenador da Rede Moçambicana dos Defensores de Direitos (RMDDH) disse à DW que o assassinato de Elvino Dias "um crime de Estado" e "um ataque também ao candidato Venâncio Mondlane".

"É uma tentativa de silenciar Venâncio Mondlane e o povo moçambicano que está a dizer que chega de injustiça eleitoral" e "se está a preparar para segunda-feira lutar pacificamente pela justiça eleitoral".

Sobre o silêncio das autoridades, Nuvunga diz que "devem ainda estar a concertar sobre quem vai falar". "O objetivo é intimidar e silenciar o povo", disse.

"Lutaram pela verdade eleitoral"

Também em entrevista à DW, o investigador e analista moçambicano Salvador Forquilha afirma que este é "um ato, a todos os níveis, condenável" e que “o país se deve movimentar no sentido de garantir que nunca mais volte a acontecer".

Para Salvador Forquilha, Elvino Dias e Paulo Guambe "representam cidadãos que lutaram pela verdade eleitoral, num momento em que o país está num processo eleitoral com problemas sérios de credibilidade".

Questionado sobre se estas mortes podem resvalar em violência no país, o Forquilha diz que é "muito incerto e extremamente perigoso".

DW Bonn | Salvador Forquilha, analista moçambicano
Salvador Forquilha afirma que Elvino Dias e Paulo Guambe "representam cidadãos que lutaram pela verdade eleitoral" em MoçambiqueFoto: DW/B. Darame

"O Estado tem uma grande responsabilidade para garantir que a situação não resvale para violência descontrolada", entende o analista, que acrescenta que “há um potencial de violência que se desenha" e a "receita para a solução é que o próprio regime e instituições funcionem".

Comissão Nacional Dos Direitos Humanos pede investigação

"Diante da gravidade dos factos, a Comissão Nacional Dos Direitos Humanos (CNDH), instituição pública com o mandato de promover e defender os direitos humanos, insta a Procuradoria-Geral da República e ao Serviço Nacional de Investigação Criminal a investigar e esclarecer com celeridade os contornos deste crime, com vista a responsabilizar os presumíveis autores materiais e morais", refere a entidade em nota distribuída hoje à comunicação social, acrescentando que "condena veementemente o assassinato macabro e desumano protagonizado por pessoas ainda desconhecidas".

A Comissão Nacional Dos Direitos Humanos avançou que constituiu equipa independente para "realizar diligências com vista a um levantamento preliminar da ocorrência", cumprimentando-se a "acompanhar de perto este processo". 

"Ato covarde e hediondo"

Num comunicado enviado à imprensa, a Associação Moçambicana de Juízes classifica o homicídio de Elvino Dias como um "ato covarde e hediondo", que "representa um ataque não apenas à vida de um profissional dedicado, mas também à própria justiça e ao Estado de Direito em Moçambique".

"Elvino Dias era um defensor incansável da legalidade, conhecido pelo seu compromisso com a defesa dos direitos humanos e a justiça social. A sua morte não deve ser vista como um facto isolado, mas como um sinal alarmante das crescentes ameaças que pairam sobre os operadores do Direito em nosso país", lê-se no comunicado.

A associação exige das autoridades "uma investigação célere, imparcial e rigorosa, que traga à luz os responsáveis por este assassinato e os leve a barra da justiça".  

"Este crime, tal como outros atentados contra advogados e magistrados, visam enfraquecer o sistema judicial e intimidar aqueles que, com coragem e firmeza, se levantam em defesa dos direitos dos cidadãos", lê-se. 

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Já o Consórcio Mais Integridade fala de um "vil e bárbaro assassinato e insta as autoridades para que, este crime seja urgentemente esclarecido e os seus atores materiais e morais sejam responsabilizados".

Em comunicado, a plataforma de observação eleitoral escreve que o assassinato do Elvino Dias e Paulo Guambe representa "um ato de intimidação de todos os que reivindicam a transparência e a verdade nas eleições de 2024".

Também em reação, a Plataforma de observação eleitoral Sala da Paz entende “que este ato brutal representa uma grave ameaça ao estado de direito, à integridade do processo democrático e ao pleno exercício dos direitos políticos e civis".

"Além de representar um ato macabro", diz a Sala da Paz, “este assassinato evidencia intolerância e intimidação política e representa um golpe duro a democracia moçambicana, cujos índices de classificação ao nível internacional são muito baixos e com tendência cada vez mais a decrescer".

"Não é possível dissociar do processo eleitoral"

João Cravinho, que liderou a Missão de Observação Eleitoral da CPLP às eleições em Moçambique, condenou o assassinato, considerando que "contribui para adensar as múltiplas dúvidas existentes sobre o processo eleitoral ainda em curso". 

João Cravinho, Missão de Observação Eleitoral da CPLP às eleições em Moçambique
Líder da Missão de Observação Eleitoral da CPLP às eleições em Moçambique diz que assassinato "contribui para adensar as múltiplas dúvidas existentes sobre o processo eleitoral ainda em curso"Foto: Nádia Issufo

E acrescentou: "Embora neste momento ainda exista muita coisa que não se sabe sobre os assassinatos, não é possível, nesta fase, sendo as pessoas que são, estando nós no momento em que estamos, não é possível dissociar do processo eleitoral".

Cravinho acredita que os homicídios oferecem "uma mancha indelével sobre as eleições".

"É evidente que estes assassinatos têm de ter investigação, que se deve de uma forma muito transparente identificar os culpados e levá-los a tribunal, isso é uma evidência. O problema aqui, para além disso, é que estamos também numa situação em que estas pessoas, entre outras, estão num processo de contestação de resultados, que conhecemos ainda de forma parcial", adiantou.

Por sua vez, a chefe da Missão de Observação Eleitoral da União Europeia às eleições moçambicanas (MOE), Laura Ballarín, apelou às autoridades nacionais para que investiguem rapidamente os autores deste "ato hediondo". 

A chefe da MOE corroborou as palavras do Alto Representante da União Europeia, Josep Borrell, que, em comunicado, afirma que "em democracia, não há lugar para assassinatos com motivações políticas".

Comunidade internacional condena sucedido

"A União Europeia apela a uma investigação imediata, exaustiva e transparente que leve a tribunal os responsáveis por este crime ultrajante, esclareça as circunstâncias em que ocorreu e aguarda com expetativa as reações do Governo moçambicano”, lê-se no comunicado da União Europeia.

A União Europeia nota ainda que "estes acontecimentos ocorrem na sequência de notícias preocupantes sobre a dispersão violenta de apoiantes no rescaldo das eleições da semana passada". 

"A UE apela à máxima contenção de todos e ao respeito pelas liberdades fundamentais e pelos direitos políticos. Além disso, é crucial que sejam tomadas medidas firmes de proteção de todos os candidatos neste período pós-eleitoral", conclui.

O Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal também reagiu, condenando liminarmente os assassinatos.  

"Portugal condena liminarmente os assassinatos do mandatário do Podemos Paulo Guambe e do advogado Elvino Dias", lê-se na mensagem publicada na rede social X (antigo Twitter).  

"O povo moçambicano exerceu legitimamente o seu direito de voto. Fazer jus à sua maturidade cívica implica garantir o caráter pacífico e ordeiro do processo subsequente", acrescenta a publicação.

Entretanto, e numa nota conjunta, cinco países com representações diplomáticas em Maputo, incluindo os Estados Unidos da América (EUA), condenaram o duplo homicídio de elementos próximos ao candidato presidencial Venâncio Mondlane e pediram uma investigação "rápida e exaustiva" ao crime.    

"Nós, a Embaixada dos EUA, o Alto Comissariado do Canadá, a Embaixada da Noruega, a Embaixada da Suíça, o Alto Comissariado do Reino Unido, como parte da comunidade internacional, juntamo-nos aos moçambicanos na condenação do assassinato de Elvino Dias e Paulo Guambe e estendemos as nossas sentidas condolências às suas famílias e entes queridos", lê-se numa nota publicada esta tarde pela representação diplomática norte-americana em Maputo.

Na sua página do Facebook, o ativista angolano Nuno Dala lamentou também o sucedido.

Advogados: "Não nos acobardemos"

Dezenas de advogados moçambicanos concentraram-se esta manhã no local do homicídio, apelando contra o "acobardamento" da classe.

"É uma mensagem de encorajamento. É uma mensagem para não nos acobardamos neste momento muito difícil (...) Só quem não é filho de boa gente é que não tem medo, mas nós não vamos virar as costas à causa e vamos continuar a lutar pelo que são os ideais de uma sociedade mais justa e com direito à salvaguarda de liberdades para todos", afirmou o bastonário da Ordem dos Advogados de Moçambique (OAM), perante dezenas de advogados, de togas, visivelmente consternados, junto a um ramo de flores colocado durante a manhã.

Carlos Martins acrescentou ainda que "até prova em contrário não podemos dissociar esta morte daquilo que era a atividade profissional do doutor Elvino Dias, naturalmente, até pelos constantes avisos que ele foi dando, antes do dia fatídico de hoje".

O bastonário reconheceu que este crime contribui para o "escalar de tensões". "Fomos violentados com esta morte. Todos acordámos desolados hoje e naturalmente que esse é um espaço propício para que as tensões se elevem", disse.

Em atualização