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MédiaCabo Verde

Morreu António Rocha, histórico editor-chefe da DW

Marcio Pessôa
3 de abril de 2022

Jornalista trabalhou por mais de três décadas na DW e foi chefe adjunto do departamento Português para África. Profissionalismo e liderança marcaram a trajetória de uma figura humana inesquecível e profissional exemplar.

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Ehem. DW-Mitarbeiter António Rocha
Foto: DW/B. Darame

O jornalismo lusófono comoveu-se com a morte de António Pedro Rocha, este sábado (02.04), na Alemanha. Ao longo do domingo, mensagens emocionadas podiam ser lidas nas contas do jornalista cabo-verdiano, dos seus amigos e ex-colegas nas redes sociais.

Rocha foi para a reforma em 2019, após 33 anos de serviços prestados à DW África, e conviveu intensamente com comunicadores e personalidades importantes da lusofonia em 40 anos de carreira. Fez parte de uma geração de jornalistas africanos brilhantes e libertários, que se dedicaram ao continente mesmo distantes dos seus países de origem.

Radicado na Alemanha desde os anos 1980, foi chefe adjunto da redação Português para África da DW durante décadas. A despedida de António Rocha dos microfones da Deutsche Welle foi profundamente emotiva.

Rocha cobriu factos históricos, que marcaram o jornalismo internacional, como a independência de Cabo Verde, a cisão do PAIGC que gerou a criação do PAICV, a independência do Timor Leste, a queda do Muro de Berlim e a reunificação da Alemanha. O jornalista cabo-verdiano costumava lembrar da entrevista ao histórico líder moçambicano Samora Machel.

"Fui lá com meu papelinho, com umas três ou quatro perguntas. O Samora respondeu às perguntas em menos de um minuto. Depois, ele é que começou a me entrevistar: 'Você gostou de Moçambique? O que é que lhe chamou mais atenção aqui em Moçambique?'. À volta, riam-se da minha surpresa e timidez, porque eu não contava com aquilo."

DW-Kollege António Rocha im Gespräch mit einer jungen Mosambikanerin
Rocha trabalhando pela DW em MoçambiqueFoto: Antonio Rocha

O correspondente da DW, Nélio dos Santos, lembra que "Toy Pedro" ou "Fraqueza" - como era conhecido pelos amigos mais próximos - "foi um grande senhor da rádio, quer em Cabo Verde, quer na DW. Para o atual secretário da Comissão da Carteira Profissional do Jornalista de Cabo Verde, tratava-se de "um líder natural, de elevada dignidade e lealdade".

Coordenação e profissionalismo

António Rocha iniciou as suas atividades na Deutsche Welle em agosto de 1986. Depois dos estudos no francês Institut National de l'Audiovisuel – Bry-Sur Marne, foi chefe de Programação e diretor da Rádio Nacional de Cabo Verde. Foi também correspondente da agência noticiosa Reuters e da seção portuguesa da Voz da América.

Era difícil não gostar de António Rocha, quer pela sua portentosa voz, quer pelo seu humanismo transcendente. A DW África teve de reinventar-se e aprender a conviver sem a personalidade doce de um dos seus maiores nomes em todos os tempos.

Rocha foi um chefe de reportagem incansável, de contacto intenso com correspondentes, freelancers e estagiários. Na ocasião da sua despedida dos microfones da DW, o então chefe da redação, Johannes Beck, reconhecia a importância do colega: 

"Foi a pedra angular desta redação. Esteve muito tempo na coordenação, é a pessoa que se lembra ainda do tempo da libertação [do colonialismo] nas colónias e que, desde os anos 1980, conseguiu impor a sua filosofia de jornalismo e profissionalismo aqui nesta redação", disse.

"Biblioteca ambulante"

Para o jornalista António Cascais, António Rocha será sempre um símbolo da africanidade na sua melhor e mais humana vertente. "Ele bebeu e respirou África. Ensinou os outros - fora e dentro de África - a amar e respeitar o continente, nunca se esquecendo que todos nós, africanos ou não, fazemos parte da grande família humana", lembra.

Cascais lembra a tolerância e a generosidade como um "ensinamento" em quase 40 anos de convívio com "Toy Pedro Fraqueza". "Retenho ainda no coração o seu imenso amor e respeito por todas as pessoas e a sua capacidade de fazer e conservar amizades e amigos", diz Cascais.

Ehem. DW-Mitarbeiter António Rocha
Rocha no seu escritório na DW em 2019Foto: DW/B. Darame

Além da figura humana e profissional admirada, António Rocha tinha uma particular sensibilidade à cultura dos países de expressão portuguesa. Era conhecedor dos mais diversos ritmos e gostos da lusofonia e levava horas a falar sobre as mais diversas variações deste tema nas artes.

Rocha cozinhava, lia compulsivamente, conhecia a música africana e as variações do jazz. "Na reforma, vou aprofundar os conhecimentos sobre sociologia e comunicação e dedicar-me a um grande arquivo de 'slides' feitos nos vários países por onde passei", disse ao despedir-se das suas funções na DW.

A "biblioteca ambulante" que Rocha se tornara com o passar dos anos era reconhecida. "São conhecimentos aprofundados e fiáveis sobre a história e a política de África, uma fonte de dados e factos enquadrados na realidade, que nenhum Google pode rivalizar", lembrou a jornalista da DW, Cristina Krippahl, num artigo em homenagem ao colega em 2019.

Um ser humano amado e exemplar, um jornalista não por acaso... Este foi António Rocha, cujo legado permanece não somente nas redações por onde passou, mas também nos corações de quem o conheceu.

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