Moçambique: RENAMO vive mudança de paradigmas
19 de fevereiro de 2019"Mudanças naturais” é como Jaime Macuane qualifica a reestruturação anunciada pelo maior partido da oposição em Moçambique, face à uma nova liderança. O analista político acha que ainda é cedo para se falar em renovação ou audácia no seio da RENAMO. Entretanto, considera que houve um caso de ousadia quando, em Sofala, militantes contrariaram ordens centrais e exigiram a eleição dos secretários provinciais. Para o analista, nesse ponto houve uma mudança de paradigma. Estará já a ser questionada a liderança de Ossufo Momade?
No último domingo (17.02.), o líder da RENAMO exonerou Manuel Bissopo do cargo de secretário-geral. Este quadro sénior ocupava o lugar desde 2012 e foi candidato à presidência do partido no VI Congresso, em janeiro, ao lado de Ossufo Momade, que venceu.
Até o momento, Bissopo não quis comentar a exoneração. "Ainda não fiz a entrega de pastas, gostaria de fazer a entrega e depois fazer um pronunciamento", disse.
Revanche ou processo natural?Manuel Bissopo era muito próximo de Afonso Dhlakama, falecido líder da RENAMO, e por isso dominava e participava dos dossiers mais importantes do partido, como as negociações de paz com o Governo da FRELIMO.
O seu afastamento, depois de ter concorrido à liderança do partido ao lado do já líder interino Ossufo Momade, deixa margem para especulações sobre uma revanche ou até mesmo intenção de afastamento de uma possível ameaça ao atual líder. Mas o analista político Jaime Macuane prefere apontar outros factos que legitimariam esse afastamento.
"Se olharmos para a história da RENAMO, vamos ver que os secretários gerais não duram tanto tempo assim e ele já estava lá há um tempo razoável. Acho que é um processo natural de um líder que assume [o cargo] e que naturalmente quer se rodear de pessoas que mais confia ou que estão mais alinhadas [com os seus ideais]. Agora, nada impede que possa haver outros assuntos, mas não tenho dados para especular ou ajuizar em relação a esses pontos”, afirma.
Reestruturação partidária
Ossufo Momade exonerou ainda 16 militantes de cargos internos e nomeou 12, alguns dos quais para um segundo mandato nas mesmas funções, além de terem sido indicados 13 assessores políticos junto do seu gabinete.
O líder da RENAMO fala em reestruturação partidária face aos desafios eleitorais de outubro próximo: presidenciais, legislativas e provinciais. Imprimir mais dinâmica nas atividades político-partidárias de base é o que almeja Momade.
Entretanto, a cultura de exonerações e mudanças é uma marca nova no partido que está a ser introduzida pelo novo líder. É motivo para afirmar que se vislumbra uma RENAMO renovada ou audaciosa? Jaime Macuane opta por cautela em relação aos sinais.
"Acho que é muito cedo para que digamos se a RENAMO está a ser audaciosa ou não. As circunstâncias naturais determinaram a mudança da sua liderança. E o que vejo até agora, pelos elementos que tenho até agora, é o processo natural de substituição de uma liderança, o que naturalmente também significa substituir peças que faziam parte da liderança anterior. Não que possa ser só isso", analisa.
Rebeldia em Sofala
Em paralelo às mudanças imprimidas, Ossufo Momade enfrentava atos de rebeldia de parte dos seus correligionários na província central de Sofala na última semana. Exigiam que os delegados fossem eleitos pelas bases do partido e não por indicação do presidente, à luz dos estatutos revistos no último Congresso.
Na sequência, alguns membros boicotaram uma conferência provincial para empossamento de novos órgãos indicados pelo presidente e elegeram à revelia Sandura Vasco Ambrósio e Luís Chitato para os cargos de delegado provincial e delegado da cidade, respetivamente. Para Jaime Macuane, o facto, sim, pode ser entendido como algo para além de mudanças naturais.
"Vi mais ousadia em Sofala, por exemplo, quando parte da militância exigiu que os secretários provinciais fossem eleitos, mesmo enfrentando uma ordem que veio do centro. Acho que este é o tipo de exemplo que seria a mudança de paradigma. Agora, termos um líder que embora possa ter um outro estilo, mas que faça algumas coisas ainda não da mesma forma [que a liderança anterior], claro que ainda é cedo para termos um juízo claro em relação a isso, mas ainda não vi ousadia, e sim mudanças", conclui.
Esta é a primeira prova de fogo que Ossufo Momade enfrenta enquanto líder. A RENAMO tem conseguido sustentar uma imagem de coesão, mas o descontentamento em Sofala vem por a descoberto a insatisfação de alguns correligionários em relação à nova liderança do partido.