"Faltam provas" dos crimes nos protestos pós-eleitorais
24 de janeiro de 2025Pelo menos 315 pessoas morreram nos protestos pós-eleitorais em Moçambique, segundo o último levantamento da plataforma Decide. Mais de 750 manifestantes terão sido baleados.
A violência preocupa a organização Human Rights Watch, que pede ao Governo uma investigação sobre os crimes cometidos tanto pelo Estado como por pessoas singulares.
Zenaida Machado, pesquisadora da organização de direitos humanos, indica que não basta afirmar que as manifestações pela reposição da verdade eleitoral foram violentas. "É preciso que o Estado, com o seu equipamento e especialização, saiba distinguir quem [cometeu crimes] e possa usar os meios disponíveis [públicos] para penalizar aqueles que foram violentos de acordo com a lei", salienta Machado.
Esses documentos poderiam, depois, ser usados em tribunal para garantir um "julgamento justo".
O 'mea culpa' do novo Governo
A plataforma Decide acompanha os protestos pós-eleitorais em Moçambique, atualiza regularmente as mortes de cidadãos protagonizadas pela polícia e tem feito a sua própria investigação.
De acordo com o coordenador da organização, Wilker Dias, a violência da polícia foi deliberada. "A polícia extrapolou os seus limites. Nós verificámos isso", denuncia Dias.
"Mais de 80% dos casos foram por conta de baleamentos. A polícia usou balas reais para matar as pessoas, não foi para dispersar. Já sabemos também os locais em que as pessoas foram alvejadas. Geralmente era no peito, na cabeça, nos braços. Dificilmente verificávamos situações de tiros nas pernas."
Esta semana, o novo ministro do Interior moçambicano, Paulo Chachine, afirmou que a população não pode ter medo da polícia, e é "dever e missão" do seu Ministério e da corporação "restaurar a confiança do povo".
Bernardino Rafael, o comandante-geral da Polícia da República de Moçambique, foi exonerado na quinta-feira (23.01).
Faltam provas
O presidente da Comissão Nacional dos Direitos Humanos, Abashir Massacar, refere que o Estado errou ao não garantir a defesa dos manifestantes nos protestos pós-eleitorais.
"Se olharmos para o que aconteceu nas manifestações, observamos que vários direitos foram violados. É claro que aqui podemos dizer que, por um lado, houve alguns excessos dos manifestantes, mas também houve excessos do lado da polícia", comenta Massacar.
A organização Human Rights Watch duvida que o Estado moçambicano consiga fazer uma investigação profissional e exaustiva à violência dos últimos meses.
Faltam provas, afirma Zenaida Machado.
A pesquisadora critica o Governo anterior por não ter documentado todos os crimes cometidos, tanto pelas Forças de Defesa e Segurança, como pelos manifestantes violentos. "E não tem isto porque estes processos de limitação de direitos são propositadamente organizados de forma que não sejam documentados, porque a documentação facilita o processo de responsabilização", diz Machado.
"Tenho mesmo sérias dúvidas. Mesmo que o novo Governo decida investigar, ou criar uma comissão de inquérito sobre o que se terá passado, vai ser um processo inglório e limitado devido à falta de evidências."
Estas constatações foram feitas à margem de um debate, em Maputo, esta sexta-feira (24.01), sobre as violações de direitos humanos no período pós-eleitoral em Moçambique.