Moçambique: Eurodeputados querem papel ativo em Cabo Delgado
3 de dezembro de 2020O Parlamento Europeu (PE) debateu, esta quinta-feira (03.12), a situação atual na província moçambicana de Cabo Delgado, onde os ataques e, consequentemente, o número de deslocados, continuam a aumentar. Nos vários temas abordados, os eurodeputados mostraram-se preocupados com os desafios que a aproximação da época chuvosa poderá acrescentar à província.
Francesca Di Mauro, chefe de unidade para África da Direção-Geral de Desenvolvimento e Cooperação Internacional da Comissão Europeia, garantiu que Cabo Delgado é uma região prioritária no que toca à ação humanitária do bloco e frisou que "a União Europeia (UE) já está a desempenhar um papel ativo na província" e a desenvolver vários projetos.
"Estamos a deslocalizar escolas, para que os alunos possam continuar a estudar em segurança noutras áreas, e o mesmo é válido para a alimentação. Temos um plano para a nutrição. E no que diz respeito ao emprego, já temos um projeto, que vamos iniciar", enumerou.
Segundo Francesca di Mauro, este projeto, denominado "Mais Emprego", foi lançado em novembro e prevê um investimento de 21 milhões de euros ao longo de quatro anos. O objetivo é, em parceria com as empresas ENE e Total, empregar cerca de 30 jovens no setor da exploração de gás.
"Tragédia humana"
Convidado a descrever por videoconferência o cenário em Cabo Delgado, o bispo de Pemba, Luiz Fernando, alertou para a "tragédia humana" que se vive na região, mas também salientou os avanços que se registam com a entrada de ajuda humanitária no país.
"O Governo anunciou ontem a libertação de vistos para ajuda humanitária para as pessoas que vão entrar no país. Penso que é uma ótima notícia, porque muitos querem vir e esperavam por esse sinal do Governo", salientou.
Apontando que vários distritos, não apenas na província de Cabo Delgado, estão a receber incessantemente deslocados – pessoas que "deixaram tudo para trás, perderam familiares, as suas casas, têm filhas raptadas" e "chegam sem nada, apenas para salvar a vida" –, o bispo disse que o Governo moçambicano, organizações não-governamentais (ONG) e a igreja católica estão "a tentar unir-se para dar uma resposta", em paralelo com iniciativas de outros atores, entre os quais Portugal, mas advertiu que a resposta atual "não chega", pois "as necessidades são muitas".
"Não param de chegar pessoas, e estamos a tentar atender as necessidades mais básicas", referiu, alertando que é preciso "mais apoio para ajudar condignamente" todos aqueles que estão a fugir da violência em Cabo Delgado.
O bispo de Pemba informou que o Governo moçambicano iniciou a construção das prometidas 100 novas aldeias para as vítimas do conflito. "Mas é preciso mais", frisou o bispo de Pemba, alertando para a necessidade urgente de ajuda médica e de material de construção para que as pessoas possam construir as suas casas.
Situação em Cabo Delgado "é muito complexa"
Neste mesmo encontro, Ana Laranjinha, a nova diretora executiva do Serviço Europeu de Ação Externa para África, garantiu que o contacto "com os países da SADC está no topo das prioridades (do bloco), assim como o contacto com as Nações Unidas e vários outros Estados-membros".
Rita Laranjinha, que iniciou funções na passada terça-feira (01.12), começou por admitir ter também ficado "chocada e horrorizada com as atrocidades reportadas", que exigem que "todos os parceiros de Moçambique, incluindo a UE e os seus Estados-membros" prestem o apoio necessário.
Observando que a situação em Cabo Delgado "é muito complexa", pois integra "vários fatores" que exigem uma "abordagem integrada", Rita Laranjinha fez questão de sublinhar que é necessária "uma resposta que deve ter em particular atenção os direitos humanos", pois "não é boa estratégia nem boa governação privilegiar uma resposta securitária à frente dos restantes elementos".
Rita Laranjinha revelou que teve, na quarta-feira (02.12), uma reunião com a embaixadora de Moçambique em Bruxelas, durante a qual reiterou a "disponibilidade [da UE] para prestar apoio nesta fase" e garantiu que vai seguir atentamente esta matéria.
A reunião extraordinária do PE sobre a situação em Cabo Delgado acontece na sequência do pedido formal de ajuda do Governo moçambicano à União Europeia.
O debate na Comissão dos Assuntos Externos do PE, promovido pelo eurodeputado Paulo Rangel, surge após o Partido Popular Europeu (PPE), por iniciativa do eurodeputado Nuno Melo, ter pedido o agendamento de um debate na sessão plenária da semana passada sobre a mesma questão, que acabou por não acontecer.
Mais de duas mil mortes
A violência armada em Cabo Delgado dura há três anos, e está a provocar uma crise humanitária com cerca de 2.000 mortes e de 500 mil pessoas deslocadas, sem habitação, nem alimentos e concentrando-se sobretudo na área da capital provincial, Pemba.
Por outro lado, as províncias de Sofala e Manica, centro do país, são palco de ataques da autoproclamada Junta Militar, uma dissidência armada da RENAMO.
O grupo rejeita a liderança do presidente da RENAMO, Ossufo Momade, acusando-o de trair as posições do seu antecessor Afonso Dhlakama nas negociações que levaram à assinatura do Acordo de Paz e Reconciliação Nacional, a 6 de agosto.