1. Ir para o conteúdo
  2. Ir para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

"Moçambique ainda não está preparado para as distritais"

20 de junho de 2023

Em entrevista à DW, editor do CIP Moçambique alerta para gastos do Estado nas eleições distritais. E diz que adiamento não é "manobra" da FRELIMO para se perpetuar no poder, porque isso já o faz através da manipulação.

https://p.dw.com/p/4SmtW
Mosambik Quelimane Wahlergebnisse
Foto: DW/M. Mueia

As eleições distritais em Moçambique foram parte do Acordo de Paz e Reconciliação Nacional assinado em agosto de 2019 entre o Governo da FRELIMO e a RENAMO.

Quase cinco anos depois do acordo, a FRELIMO pede agora consenso para alterar a Constituição e adiar as distritais previstas para o ano que vem. O partido no poder alega que o país precisa de uma "consulta popular" sobre o modelo de descentralização.

Apesar do apelo ao "consenso democrático", a partir de julho, quando se completarem cinco anos após a última revisão constitucional, a FRELIMO terá condições para aprovar sozinha a alteração pontual da lei fundamental e adiar as distritais. Isso, por causa da maioria qualificada de 184 deputados que têm no parlamento (composto por 250 lugares).

A oposição diz que se trata de uma "ditadura" e " tirania" para depositar no Parlamento o referido projeto de revisão constitucional que, alegam, serve apenas para viabilizar o adiamento das eleições distritais em 2024.

À DW, Lázaro Mabunda, jornalista e editor do Boletim de Eleições do Centro de Integridade Pública (CIP) de Moçambique, diz que as distritais "nem deveriam acontecer" porque, entre outros aspetos, há custos que o Estado não está preparado para arcar.

Lázaro Mabunda, editor do Boletim de Eleições do Centro de Integridade Pública (CIP) de Moçambique
Lázaro Mabunda, editor do Boletim de Eleições do Centro de Integridade Pública (CIP) de MoçambiqueFoto: Luciano da Conceição/DW

Lázaro Mabunda: Acho que Moçambique não está ainda preparado para organizar processos eleitorais nos níveis distritais, justamente porque faltam fundos para operacionalizar os processos eleitorais a nível dos distritos e também para operacionalizar as estruturas administrativas que sairão das eleições distritais.

DW África: Mas deve-se, ou não, adiar as distritais?

LM: Para mim, estas eleições nem deveriam existir. Mas elas existem porque há uma forte desconfiança política entre o Governo e a oposição. E, isso, justamente porque os processos eleitorais não são livres, transparentes e justos. Os processos eleitorais são dominados pelo partido no poder, que consegue colocar os seus elementos em todas as estruturas – da base ao topo. Estruturas de organização dos processos eleitorais.

DW África: Quais as possíveis consequências do adiamento?

LM: A primeira e, se calhar, a única consequência que eu vejo seria uma instabilidade política que não sabemos como se iria manifestar. Se por vias de manifestações públicas nas ruas, ou pelas forças armadas. As manifestações nas ruas não são permitidas. A primeira coisa seria, provavelmente, muita violência. Isso porque, estando no poder, a FRELIMO não permite as manifestações em Moçambique.

Segundo o editor do CIP,  os processos eleitorais em Moçambique já estão a ser manipulados
Segundo o editor do CIP, os processos eleitorais em Moçambique já estão a ser manipuladosFoto: DW/L. da Conceição

DW África: Ao apelar para o adiamento das distritais, com o argumento da necessidade de um "consenso democrático", a FRELIMO está a usar artifício democrático para se perpetuar no poder?

LM: Para se perpetuar no poder, a FRELIMO já faz o que está a fazer –  ou seja, manipular os processos eleitorais. A parte da revisão constitucional tem mais a ver com o peso que o próprio Estado está a começar a sentir, porque é deficitário e [tem] problemas [financeiros] muitos sérios. Por exemplo, as dificuldades para pagar os salários. Nós estamos a falar em cerca de 200 distritos. Se calcularmos, cada distrito pode ter algo entre 12 e 15 membros da assembleia distrital (e é preciso montar uma), e depois também montar uma estrutura administrativa.

Se somados todos os membros das assembleias distritais, teremos algo acima de 3 ou 4 mil membros dessas assembleias em todo o país. Esse é um custo muito elevado para quem está a governar. Eu acho, portanto, que essa decisão nasce justamente do custo que o Governo está a começar a ver que vai ter no próximo ano, mas não está em condições de avançar para custos desta natureza.

DW África: Mas o adiamento das eleições distritais não deveria ser uma decisão tomada com o consenso de todos os partidos?

LM: A decisão lógica seria um consenso entre o partido no poder e a RENAMO, porque ambas "se acham" os donos dos processos eleitorais e do sistema político moçambicano. Pode não haver condições para a estabilidade política. Mas essa estabilidade política pode vir dos resultados eleitorais, porque os processos eleitorais são manipulados. O recenseamento realizado recentemente, [por exemplo], foi totalmente manipulado. Foi um dos piores – se não o pior – da história de Moçambique.

Tainã Mansani Jornalista multimédia