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Imprensa alemã lembra "conflito esquecido" no Cordofão do Sul

4 de novembro de 2011

Na região sulista do Sudão, rebeldes dos Montes Nuba enfrentam tropas do governo. Os dois lados contam numerosas vítimas adversárias e se contradizem. Quênia, Somália e imigrante angolano também foram destaque.

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ONU fala em centenas de milhares de refugiados, que por sua vez estariam denunciando "limpezas étnicas" no Cordofão do Sul
ONU fala em centenas de milhares de refugiados, que por sua vez estariam denunciando "limpezas étnicas" no Cordofão do SulFoto: AP

Carsten Stormer escreveu um artigo de três páginas para a edição alemã da revista masculina Playboy. Ilegalmente – porque era a única maneira possível – ele chegou ao front recluso onde os rebeldes da região dos Montes Nuba enfrentam tropas do governo sudanês.

A região do Cordofão do Sul e os Montes Nuba ficam ao norte da fronteira com o Sudão do Sul, país criado em julho deste ano após independência do Sudão e anos de guerra civil. Mas o Cordofão do Sul é casa de muitas comunidades favoráveis ao Sudão do Sul.

Refugiados em tendas da missão da ONU no Sudão, em junho; organizações internacionais alertam para um "novo conflito de Darfur"
Refugiados em tendas da missão da ONU no Sudão, em junho; organizações internacionais alertam para um "novo conflito de Darfur"Foto: picture alliance/dpa

Uma guerra que "passa despercebida" à opinião pública mundial

O conflito na região acontece desde o início de junho, quando o governo sudanês passou a protagonizar uma guerra contra a população civil nos Montes Nuba - formada, em sua maioria, por negros, agricultores, pastores, cristãos e muçulmanos conhecidos, de acordo com Stormer, pela tolerância religiosa e cultural.

O conflito passa despercebido aos olhos da opinião pública mundial, diz Stormer: "A esmo, as forças aéreas sudanesas bombardeiam vilarejos, mercados, fontes d’água e as posições do chamado Exército de Libertação do Sudão (SPLA)", escreve o jornalista.

Stormer ainda explica que existe uma fronteira invisível no Cordofão do Sul, entre o norte de origem árabe do Sudão e o sul onde vivem muitos negros africanos. Os Montes Nuba são uma região onde mal há ruas asfaltadas, hospitais ou escolas. "Quando há escolas, poucos professores são pagos; a água vem de poços enlameados e a pouca eletricidade que existe vem de geradores", continua o relato.

"Há muito que os rebeldes Nuba são um espinho nos olhos dos dirigentes de Cartum [capital do Sudão]", explica Stormer. "Primeiro, eles lutaram ao lado dos rebeldes sul-sudaneses do SPLA durante a guerra civil sudanesa. Depois, exigiram a independência, a autodeterminação e recusaram a Sharia [lei islâmica]. Em maio deste ano, os Nuba viram a última chance de ter direitos políticos, quando o Cordofão do Sul se preparava para eleger um novo governador", continua.

"Havia pouquíssimos observadores eleitorais internacionais, os dois lados reclaramaram a vitória e Cartum acabou impondo Ahmed Haroun como governador. Um homem que o Trinbual Penal Internacional em Haia, na Holanda, acusa de crimes de guerra na região sudanesa de Darfur. A guerra começou", lembra Stormer.

Raila Odinga, primeiro ministro do Quênia, disse esta semana que tropas do próprio país "não ficarão além do necessário" na Somália
Raila Odinga, primeiro ministro do Quênia, disse esta semana que tropas do próprio país "não ficarão além do necessário" na SomáliaFoto: AP

Banho de sangue dos dois lados

O diário alemão Tageszeitung também repercutiu o conflito civil no Cordofão do Sul, destacando que os dois lados dos confrontos falam em banho de sangue. Na terça-feira, 1º de novembro, centenas de pessoas teriam morrido em confrontos entre tropas do governo e rebeldes na cidade de Teludi. Ahmed Haroun, o governador da província, contou centenas de mortos rebeldes. De acordo com o Tageszeitung, os rebeldes desmentiram a informação e disseram ter matado 273 soldados do governo.

Mas os dois lados parecem concordar que o número de vítimas fatais – do adversário – foram altos, diz o jornal, que também cita a possibilidade de o conflito estar decorrendo com o uso de armas químicas e ataques aéreos a civis. Aproximações políticas entre os rebeldes e Cartum teriam fracassado.

Segundo Stormer, da Playboy, os refugiados de guerra falam em limpezas étnicas na região do Cordofão do Sul, centenas de pessoas morreram em ataques do exército. As Nações Unidas contam mais de 200 mil refugiados – muitos deles teriam procurado abrigo nas montanhas, onde acabaram sendo mortos por milícias árabes.

Fotos de satélites seriam testemunhas de valas comuns. Citadas pela Playboy e pelo Berliner Zeitung, organizações de defesa dos direitos humanos como a Anistia Internacional ou a Human Rights Watch alertam para um novo Darfur, a ONU quer investigar possíveis crimes de guerra na região.

O relato de Carsten Stormer, da Playboy, encerra com uma descrição mais branda do conflito, que em setembro teria ficado mais ameno por causa da época das chuvas. Mas, em outubro, segundo disseram os rebeldes entrevistados pelo jornalista, a guerra deverá começar – de verdade.

Militares quenianos entram em caminhão com destino à Somália para combater milícias islâmicas shebab
Militares quenianos entram em caminhão com destino à Somália para combater milícias islâmicas shebabFoto: dapd

"Defesa em ataque" no Corno de África

O diário alemão Süddeutsche Zeitung publicou na quinta-feira (03.11) um artigo opinativo dizendo que o Quênia não deve ser invejado pelo caos que ronda a vizinhança do país. "Piratas somalis, terroristas e bandos de criminosos ameaçam o poder regional na África Oriental há tempos. Em outubro, Nairóbi perdeu a paciência e entrou no sul da Somália", afirma o texto.

"O Quênia espera proteger o próprio território por meio de uma espécie de ‘defesa avançada’ – o que é novo no conflito que aumenta permanentemente no Corno de África", escreve o jornalista Arne Perras, comentando a decisão do Quênia de enviar tropas ao sul da Somália para combater as milícias radicais islâmicas Al-Shebab, ligadas à rede terrorista internacional Al Qaeda.

A decisão do Quênia teria sido motivada pelo fato de que os rebeldes shebab, por meio de sua atuação, teriam ferido a "integridade territorial" do Quênia. Esta semana, o premiê queniano Raila Odinga afirmou que as tropas não deverão ficar no sul da Somália "mais que o necessário".

Segundo o jornalista Perras, os ataques dos shebab ameaçam a ascensão de um país que atrai atualmente turistas e empresários de todo o mundo. De fato, na opinião do articulista, as tropas quenianas "têm boas chances de vencer militarmente o inimigo no sul da Somália, porque os soldados têm mais armamentos que as milícias shebab, possuem uma força aérea e são aconselhados por forças especiais do Ocidente".

Mas Arne Perras acha que a vitória dos soldados quenianos não vai adiantar nada se o avanço militar não for ligado a um plano político sábio. "No caso de uma vitória militar sobre as milícias islâmicas, Nairóbi precisará preencher o vácuo político no sul da Somália rapidamente", comenta Perras, dizendo ainda que já existem debates sobre quem poderá assumir o poder na região.

Uma questão complicada que envolve reflexão sobre toda a articulação política na Somália – já que não se pode abrir novas fontes de conflito com aquele país, afirma o jornalista.

Um exemplo: a resistência do presidente da transição somali, Cheikh Sharif Ahmed, à invasão queniana. "Ele é um aliado do Quênia, mas teme que a invasão no sul eleve políticos somalis a postos importantes, enfraquecendo a própria posição", opina Arne Perras, que também acha que os shebab não devem ser subestimados – mesmo que "desapareçam" temporariamente.

Frankfurter Allgemeine Zeitung fala de polêmica sobre expatriação de angolano na Holanda
Frankfurter Allgemeine Zeitung fala de polêmica sobre expatriação de angolano na Holanda

Asilo a angolano divide cristãos-democratas na Holanda

O diário Frankfurter Allgemeine Zeitung destacou na quarta-feira (02.11) uma briga política na cúpula do CDA, partido cristão democrata da Holanda. O motivo: a extradição de um angolano de 18 anos de idade. Vários integrantes do partido tentaram impedir a extradição até o último minuto para "retomar credibilidade", segundo escreve o FAZ.

Mauro Manuel chegou à Holanda em 2002, aos 9 anos de idade. Apareceu sem família porque aparentemente foi enviado pelos pais para o país europeu e, desde 2003, vive com uma família de acolhimento. Estuda informática numa escola técnica em Venray. Pediu asilo, mas o pedido não foi aceito – o partido CDA pediu um procedimento de urgência para conceder um visto de estudante ao jovem.

Segundo o FAZ, há muito em jogo para o partido CDA, que goza de pouquíssimo prestígio entre os eleitores. Durante nove anos, o CDA conseguiu eleger o primeiro ministro da Holanda, mas ano passado a fração no parlamento caiu pela metade, para 21 assentos.

Na semana passada, o ministro da Imigração holandês, Gert Leers, disse que por motivos de justiça não poderia conceder o visto a Mauro Manuel – porque, mesmo que este mal fale Português, não tenha contato com os pais verdadeiros e esteja integrado na Holanda, haveria cerca de 75 casos parecidos com o dele na Holanda. Gert Leers, diz o FAZ, vai "estudar" o caso de Mauro Manuel.

Autora: Renate Krieger

Edição: António Rocha