Ibrahim Boubacar Keita e o sonho de uma paz adiada no Mali
16 de janeiro de 2022Foi amado e desprezado, respeitado e depois derrubado - o antigo Presidente do Mali, Ibrahim Boubacar Keita, também conhecido como IBK, foi em tempos a esperança para a paz no seu país. IBK sonhava em tornar o Mali, devastado pela crise, um país seguro. "Temos de apostar na paz", disse ele à DW em 2019: "O povo do norte, os jovens, os mais velhos - todos querem a paz". O que não viria a acontecer durante a governação de IBK. Em agosto de 2019, os militares forçaram-no a abandonar o poder.
Estudos em França
Keita nasceu a 29 de Janeiro de 1945, na cidade de Koutiala, conhecida pela sua produção de algodão. Filho de um funcionário público, estudou no Liceu Askia-Mohamed em Bamako e depois na Universidade de Sorbonne em Paris, onde se formou em História, Ciência Política e Relações Internacionais. Após os estudos, trabalhou como investigador no Centro Nacional de Investigação Científica, em França.
Aos 41 anos, regressou ao Mali, onde trabalhou como consultor técnico para o Fundo Europeu de Desenvolvimento e lançou o primeiro programa de desenvolvimento para as atividades de ajuda da União Europeia no Mali. Tornou-se também o representante da organização "Terre des hommes" para o Mali, Burkina Faso e Níger.
De embaixador a primeiro-ministro
Em 1990, juntamente com outros opositores do ditador Moussa Traoré, fundou a Aliança para a Democracia no Mali (ADEMA), historicamente o maior partido do Mali. Keita travou amizade com Alpha Oumar Konaré, que foi eleito Presidente depois do governo de Traoré ter sido derrubado num golpe militar em 1991. Konaré promoveu-o primeiro a embaixador na Costa do Marfim, depois a ministro dos Negócios Estrangeiros e finalmente a primeiro-ministro. Entre 1994 e 2000, Keita reprimiu uma série de greves, construindo uma reputação de político forte.
No entanto, e devido a desacordos no seio da ADEMA, Keita demitiu-se do cargo de primeiro-ministro em fevereiro de 2000, e mais tarde, em outubro, abandonou a liderança do partido. Fundou então a União para o Mali (RPM, na sigla em francês), tendo ficado em terceiro lugar nas eleições presidenciais de 2002, cujo vencedor foi Amadou Toumani Touré. Em abril de 2007 voltou a concorrer às eleições e a perder. Cinco anos mais tarde, em 2012, um motim organizado por soldados, que acusaram o Presidente Touré de incompetência na luta contra os rebeldes tuaregues e grupos armados no norte do país, forçou a queda do governo. Touré fugiu do país, tendo anunciado a sua demissão em abril de modo a permitir a realização de novas eleições.
O sonho da paz
Keita tirou partido da situação tendo a sua carreira atingido o pico em 2013 quando se tornou Presidente. Na sua tomada de posse, prometeu restaurar a reputação do Mali como modelo de democracia na África Ocidental e declarou "tolerância zero" à corrupção no país. "Quero reconciliar corações e mentes, restaurar a verdadeira fraternidade entre nós para que todos os povos possam desempenhar harmoniosamente o seu papel na sinfonia nacional", disse.
Um dos maiores desafios do seu primeiro mandato como Presidente foi a situação da segurança no norte do país. Apesar do apoio das tropas francesas e internacionais contra os rebeldes e islamistas, o mandato de Keita ficou marcado pela devastação, mortes e abusos das suas próprias forças.
Cai a esperança
Ainda assim, Boubacar Keita foi reeleito para um segundo mandato de cinco anos em 2018, tendo derrotado, na segunda volta, o antigo ministro das finanças Soumaïla Cissé, que contestou os resultados eleitorais.
Keita entrou no seu segundo mandato com o objetivo de finalmente trazer estabilidade ao país. No entanto, isso não aconteceu.
A situação de segurança no Mali continuou a deteriorar-se apesar do destacamento de forças internacionais para o país. A nível interno, o seu apoio começou também a decrescer: há muito que IBK fugia às críticas de figuras da oposição como Cissé e confiava demasiado na sua reputação internacional como um baluarte contra a ameaça dos grupos armados.
Mas os protestos começaram a intensificar-se em Junho. Milhares de apoiantes da oposição manifestaram-se nas ruas de Bamako devido ao fracasso de Keita em controlar a insurreição jihadista no norte do país.
"Será que tenho escolha"?
A 18 de agosto de 2020, a situação agravou-se: as forças militares organizaram um golpe de Estado e assumiram o controlo do país. IBK demitiu-se nessa mesma noite numa declaração na televisão nacional: "Se hoje certos elementos das nossas Forças Armadas querem que isso acabe através da sua intervenção, eu realmente tenho escolha? Não tenho outra escolha senão submeter-me, porque não quero que seja derramado sangue para me manter [no cargo]".
Após a sua libertação, o presidente deposto viajou para os Emirados Árabes Unidos, onde esteve durante algumas semanas a receber tratamento médico, tendo voltado no final de outubro.
Ibrahim Boubacar Keita tinha quatro filhos da sua esposa Aminata Maiga.