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LiteraturaAngola

Racismo editorial no mundo literário em língua portuguesa?

25 de junho de 2021

Pelas respostas de especialistas em literatura comparada ouvidos pela DW, pode-se afirmar que sim. Os factos e argumentos que apresentam conduzem à ideia de que a discriminação nesse campo não acabou com o colonialismo.

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Symbolbild Buch mit leeren Seiten
Foto: Imago/Chromorange

Não é novidade que os escritores africanos negros dos países africanos de língua oficial portuguesa (PALOP) têm mais dificuldades de publicar no estrangeiro se comparados aos seus pares brancos ou mestiços. Mia Couto, de Moçambique, ou José Agualusa, de Angola, por exemplo, têm sido uma espécie de "porta-bandeira" dos seus países na arena editorial internacional.

O escritor e especialista angolano em estudos literários, Luís Kandjimbo, admite que "a questão [...] salta à vista de quem é observador atento das matérias que dizem respeito à edição, à divulgação e até à atividade da crítica literária de certos países, a propósito das literaturas".

"O problema não se colocará em exclusivo aos países de língua portuguesa, colocar-se-á a outras literaturas africanas, de língua francesa e inglesa", acrescenta o académico.

Os fatores

Tudo isso seria sustentado por um contexto colonial herdado que não morreu com as independências por volta de 1975. Iris Amâncio, especialista brasileira em literatura comparada, enumera os fatores que contribuem para a não circulação de autores africanos negros de língua portuguesa comparativamente aos escritores africanos brancos:

Angola Luís Kandjimbo Schriftsteller und Literaturwissenschaftler
Luís Kandjimbo, escritor e académico angolanoFoto: Privat

"Por exemplo, primeiro, nós temos primeiro que lançar um olhar para o próprio contexto. Temos, sim, Portugal referenciado com uma produção na tipografia, Portugal tem esse know how, de alguma forma".

E Amâncio lembra: "Mas nós precisamos [dizer] também que as colónias foram muito precárias em termos de estruturas, de maquinarias, de condições materiais de edição e impressão e ainda hoje isso é uma realidade. Isso historicamente fez com que a realidade dos PALOP fossem realidades com baixo potencial de assumir essas estruturas de produção".

A académica entende, por outro lado, que os escritores africanos brancos, por descenderem de portugueses, gozam de privilégios ao serem, por exemplo, convidados a editar no estrangeiro, enquanto que os outros sujeitam-se a esforços adicionais e mesmo assim arriscando-se a receber um "não". Está-se perante um caso de racismo editorial?

"Tudo deliberado" e as "simpatias"

Para Luís Kandjimbo, "na verdade, o cerne do problema é mais complexo. Não é essa dimensão fenomenológica como tal, mas tem também a ver com uma certa ideologia subjacente à atividade quer dos agentes literários, quer das editoras".

E o especialista disserta: "Entendo que talvez se devesse recorrer a um outro termo para descrever o fenómeno, não é de racismo que se trata, mas sim de racialismo. Há uma dimensão ideológica e uma dimensão ética" para depois afirmar que "a atividade do agente, das editoras é uma atividade sistemática, não é casual, é tudo deliberado e pensado. Isso corresponde a uma estratégia editoral daquelas empresa, sociedades comerciais".

Symbolbild Migration Migranten Mittelmeer
Literatura que perpetuaria a discriminação?Foto: picture-alliance/dpa/S. Palacios

"Dedicando-se à atividade de edição de autores africanos acabam por pretender satisfazer o gosto e preferências estéticas do seu público e satisfazer também o seu público na Europa. Daí que seja visível que acabem por ter simpatias, há um fenómeno de empatia que se vai confundir um pouco com esta racialização da atividade editorial", entende Kandjimbo.

Perpetuar discriminação?

Outras premissas comumente usadas para justificar a fraca publicação de escritores negros é de que em África o acesso à escola é baixo e de que no continente há um maior vínculo com a oralidade em detrimento da escrita. Estes argumentos são válidos ou apenas servem para legitimar e perpetuar a discriminação?

"Na verdade é meramente uma justificativa racista para poder manter esse quadro discriminatório no mercado editorial", responde a académica brasileira.

Terá já o escritor Luís Kandjimbo experimentado na pele o racismo editorial? Neste momento, parece que o angolano prefere deixar falar mais alto o seu coração de académico: "Eu não me preocupo com o facto de poder ser vítima dessas estratégias, não me preocupa tanto. O que me interessa mais é compreender os fenómenos que há nesses sistemas literários e quem têm vindo a ser teorizados por alguns autores".

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Nádia Issufo
Nádia Issufo Jornalista da DW África