Guerra colonial portuguesa ganha as telas da 63ª Berlinale
Até o próximo domingo (17.02.2013), a 63ª edição do Festival Internacional de Cinema de Berlim, Berlinale, traz à capital alemã temas fortes e discussões quentes que movimentam as telas do mundo atualmente.
A premiada diretora portuguesa Salomé Lamas, de 25 anos, concorre aos prêmios da mostra Forum com seu documentário "Terra de Ninguém", uma história de violência que começa com a guerra colonial portuguesa. Este é o segundo longa da diretora portuguesa.
O documentário chega à capital alemã com as credenciais do DocLisboa 2012. Na estréia nacional, "Terra de Ninguém" angariou quatro prêmios, entre eles os de melhor documentário português e prêmio do público.
A experiência de sucesso, Salomé quer repetir em Berlim, ao contar uma história surpreendente: a vida do ex-comando português Paulo Figueiredo.
Filme retrata a vida de Paulo Figueiredo
"Ele vem de uma família importante. Forma-se em Lisboa no curso superior em engenharia eletromecânica. O avô tinha negócios em Angola, por isso ele viajava. Mas passou a meninice em Angola. (Em portugal,) o serviço militar era obrigatório a partir dos 21 anos, salvo erro. Ele faz a recruta e diz, 'comando, eu vou!", revela a diretora sobre o protagonista do documentário.
O foco do filme é o que se passou com ele a partir deste momento. Uma história de vida que ganhou o interesse da diretora por cobrir uma grande parte da história contemporânea que ainda não está nos livros.
"Essa pulsação viva de alguém que ainda estava ali naquele momento foi muito estimulante para mim", revela Lamas.
Comando na guerra colonial portuguesa
O filme começa na guerra colonial portuguesa, em que Paulo atuou como comando, uma espécie de elite do exército português da época, em Angola, Moçambique e na Guiné-Bissau.
Salomé Lamas diz que se impressionou pela violência brutal dos relatos. "Como ele diz, 'em África não sei quantas mortes fiz porque nunca corri atrás das balas'. Enquanto nas outras situações, quando ele era contratado para matar, ele sabia", revela.
"A forma como ele descreve a guerra colonial é assustadora porque ele descreve cada situação, de crianças em cima das árvores, lança chamas e granadas", completa a diretora portuguesa.
Mercenário na Rodésia e em El Salvador
De acordo com a diretora, após o golpe de Estado de 25 de Abril, Paulo Figueiredo regressa a Lisboa onde atua como segurança e guarda-costas de prominentes da política portuguesa.
Depois disso, ele atua como mercenário na Rodésia, quando se dava o apartheid. Depois é contratado para a mesma função, em Lisboa, pela Agência Central de inteligência (CIA), para ir a El Salvador.
No terceiro capítulo, é contratado para liquidar membros do ETA (grupo separatista espanhol Pátria Basca e Liberdade). Passou um período preso e os relatos terminam em dias atuais.
Violência brutal conduz o expectador
Foram cinco dias de filmagens. Cada um deles é um capítulo da história apresentada em ordem cronológica no longa. Na tela, o que se vê é o protagonista sentado, só, num ambiente fechado. Ele relata trechos de sua vida, impregnados de brutal violência.
"Ele diz que quando chega a Portugal tem a necessidade de ir para o pé do Hospital São José ver pessoas a sangrar, que a pólvora e o sangue são como a cocaína e a heroína, que se metem no sangue", conta Lamas.
"A partir do momento em que a ação ou a situação de combate cessa, e foi muito intensa, para alguns indivíduos há a necessidade de se procurar essa adrenalina de novo", explica a diretora.
Nem sempre com final feliz
Documentos são apresentados para comprovar a veracidade dos fatos. Uma história triste que para Paulo Figueiredo, aos olhos da diretora Salomé Lamas, não termina bem.
A partir do momento em que há uma inversão política, ele deixa de ser protegido e é preso.
"No fundo, compreendemos que ele é apenas uma peça pequena num jogo muito maior de poder. Compreendemos que a política e o sistema judicial não são duas coisas separadas e que a justiça não é cega. Ele acaba por estar numa situação de viver à margem da sociedade", conclui Lamas.
O documentário "Terra de Ninguém" concorre a prêmios na mostra Forum da 63ª Berlinale. De Berlim, segue para Nova Iorque. Será exibido no Museu de Arte Moderna (MoMA), ainda este mês.
Autora: Cristiane Vieira Teixeira (Berlim)
Edição: António Rocha