Etiópia: O fracasso do diálogo de paz
28 de setembro de 2023A situação na Etiópia está a tornar-se cada vez mais perigosa, afirma Yared Hailemariam, diretor do Centro Etíope de Defesa dos Direitos Humanos. O conflito neste país de múltiplas etnias na África Oriental está a alastrar, sobretudo na região nortenha deAmhara.
Hailemariam diz que o Governo do primeiro-ministro Abiy Ahmed cometeu erros ao negociar o acordo de paz no início de novembro de 2022 para pôr fim a uma guerra civil de dois anos. "A maioria de nós esperava que o acordo de paz resolvesse as tensões políticas e o conflito no Tigray", disse Hailemariam à DW .
Uma exclusão arriscada
O chamado Acordo de Pretória pode provocar a um novo conflito na região de Amhara, onde os grupos armados locais, especialmente a milícia Fano, e as elites regionais, foram excluídas das negociações de paz. "As negociações aconteceram apenas entre a TPLF [Frente de Libertação do Povo de Tigray] e o Governo etíope, excluindo outras partes do conflito que estiveram ativamente envolvidas na guerra".
Segundo Hailemariam, uma das cláusulas do acordo de paz estabelece que as forças especiais da TPLF e as forças de Tigray serão desarmadas após a assinatura. Mas o processo ficou por completar, o que desencadeou o recente conflito na região vizinha de Amhara.
Luta pela libertação do povo
A Fano, sediada na região de Amhara, afirma que não foi derrotada pelo exército etíope. Um porta-voz da milícia, que pediu o anonimato, disse à DW que o seu grupo quer derrubar o Governo do primeiro-ministro Abiy Ahmed através da luta armada e entregar o poder ao povo etíope: "A Fano está a lutar pela libertação do povo e do país, porque a justiça é violada e a liberdade é espezinhada na sociedade Amhara".
O miliciano acrescentou que a Fano luta pela libertação do povo etíope do "regime fascista" de Abiy Ahmed: "O regime espalhou a corrupção e o extremismo étnico por todo o país", acusa, enquanto o povo Amhara quer dialogar com o Governo e trabalhar para a paz.
Conflito latente
Amhara, que faz fronteira com o Tigray a sul, vive, há meses, uma situação de agitação, desencadeada pelo anúncio do Governo federal, em abril, que iram ser dissolvidos os exércitos regionais. Estes correspondem, essencialmente, aos vários grupos étnicos da Etiópia.
Os nacionalistas em Amhara sentiram a intenção como uma ameaça e um potencial enfraquecimento nas disputas fronteiriças com o vizinho Tigray, pelo que recorreram às armas. Em agosto, Adis Abeba declarou o estado de emergência. O analista Hailemariam critica Governo por não ter iniciado negociações, optando por era esmagar a milícia com a força das armas. Mas a resistência da Fano foi maior do que o Governo esperava, concluiu.
"Genocídio na Etiópia"
Yirga Gelaw Woldeyes, professor e investigador no Centro de Educação para os Direitos Humanos da Universidade de Curtin, na Austrália, vai mais longe: "O que está a acontecer na Etoópia é um genocídio de que o mundo não fala".
A violência ocorre principalmente em Amhara, onde vigora ainda o estado de emergência de seis meses. "O Governo bloqueou o acesso à Internet na região e temos conhecimento de execuções extrajudiciais, da utilização de drones e de ataques a civis inocentes", disse Woldeyes à DW.
Também a Comissão Etíope dos Direitos Humanos (EHRC) recentemente referiu relatos "muito preocupantes" de testemunhas de "execuções extrajudiciais pelas forças de segurança do Governo em várias partes da região". A comissão, embora apoiada pelo Estado, é independente. A EHRC afirmou ainda que tinham ocorrido "detenções arbitrárias" não só em Amhara, mas também na região vizinha de Oromia e na capital Adis Abeba.
O Governo confia no uso da força militar para resolver os problemas políticos da região, disse Hailemariam, i que contribuiu de forma crucial para o atual conflito, mas também para o anterior, que terminou numa guerra civil. Se o Governo e as outras partes em conflito não se sentarem à mesa e resolverem as suas disputas políticas pacificamente, isso poderá despoletar uma nova guerra, diz Hailemariam. E a Etiópia poderá ficar presa no círculo vicioso de conflitos entre etnias durante muito tempo, avisa.
Colaboração: Mohammad Negash