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Racismo: "Futebol não tem de ser uma questão de cor"

28 de julho de 2024

Jogadores africanos ou descendentes têm trazido vitórias para o futebol europeu. Porém, nem sempre têm sido respeitados para lá das quatro linhas tendo de enfrentar, por exemplo, o racismo. Mas já houve dias piores.

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Lamine Yamal e Nico Williams
Foto: INA FASSBENDER/AFP/Getty Images

Em Espanha, onde a extrema-direita vai conquistando espaço, dois descendentes de migrantes ilegais africanos trouxeram glória e honra ao país ao vencerem o Europeu de futebol este ano. Mas Lamine Yamal e Nico Williams, por exemplo, não são os filhos mais privilegiados da sociedade espanhola.

O ex-futebolista e comentador desportivo António Gravata reconhece que o velho continente é o lugar das oportunidades.

"Talvez seja a porta mais rápida para muitos migrantes, sobretudo africanos, poderem chegar e impor-se de alguma forma. Uma das coisas que a Europa faz é capitalizar e valorizar o talento, independentemente da área em que estiveres", começa por explicar Gravata.

Apesar da pouca idade, com apenas 17 anos, a "estrelinha" do momento, Lamine Yamal, brilha sem se esquecer do seu Rocafonda. Exibe sempre o código postal 304 do seu humilde bairro de Barcelona.

Desporto, via para conquista de espaço

Gravata entende que, para os migrantes e os seus descendentes, o desporto é uma via para se conquistar espaço.

Lamine Yamal
Com apenas 17 anos, a "estrelinha" do momento, Lamine Yamal, brilha sem se esquecer do seu RocafondaFoto: Richard Pelham/Getty Images

Mas, politicamente, o sucesso dos migrantes às vezes é justificado como resultado das boas políticas de integração, lembra o académico da Universidade da Basileia, na Suíça, Elísio Macamo, que contesta: "Acho errado, um equívoco, não é o sucesso da integração".

"Esses jogadores normalmente estão em escalões mais baixos da sociedade europeia, o que faz com passem mais tempo a jogar basquetebol ou futebol do que a aplicar-se na escola, porque os pais passam mais tempo fora, a trabalhar. Então, o sucesso é a manifestação de que os negros, e outros, estão nos escalões mais baixos da sociedade suíça", complementa Macamo.

Merecido reconhecimento?

E ainda assim, o reconhecimento pode ser algo que não ultrapassa as quatro linhas. Segundo José Falcão, da SOS Racismo Portugal, depois disso perdem qualquer valor aos olhos de alguns europeus.

"É so ver nos estádios normais, quando não estão nas seleções, como são tratados e o que lhes acontece. O aproveitamento é temporário, completamente residual. E erradamente essas pessoas [não] são reconhecidas por aquilo que são: seres humanos iguaizinhos aos outros que jogam a bola, às vezes melhor do que os autóctones".

Uma observação similar faz o ex-futebolista Gravata: "Ele vai ser respeitado pelos feitos dele e não como ser humano, é o seu dinheiro que é respeitado, porque é um jogador que tem muito dinheiro, que tem condições de pagar o que quer que seja. E é isso que tem de ficar bem claro", defende.

Elísio Macamo
Sucesso dos migrantes às vezes é justificado como resultado das boas políticas de integração, lembra o académico Elísio MacamoFoto: DW/N. Issufo

Mas também o contributo indispensável dos migrantes e seus descendentes para elevar o futebol europeu nem sempre é tão apreciado assim. O sociólogo Elísio Macamo fala do caso da Alemanha.

"Isso, de facto, é um problema, na França e mesmo na Alemanha onde houve recentemente aquele inquérito que provocou muita controvérsia quando as pessoas disseram que preferiam mais jogadores brancos na seleção alemã. Temos sempre de contar com estas coisas, isso sempre vai acontecer", lamenta Macamo.

Insultos e apupos espelham racismo

Mas o cenário ainde pode ficar mais "branco" para os migrantes. Muitos deles costumam ser vítimas de racismo. Insultos e apupos no estádio são o lado mais visivel da discriminação.

Paito, moçambicano que militou na equipa B do Sporting de Portugal, conta que sentiu na pele a violência do racismo.

"Num jogo que fomos fazer eu era lateral esquerdo e quando a bola saiu e eu ia lançar a bola os adeptos lançaram algumas ofensas racistas. Ouvi um deles a gritar 'Volta para a tua terra! O que vieste cá fazer?'", recorda.

Portugal | José Falcão
Falta de leis que criminalizam o racismo impede a responsabilização, segundo José Falcão da SOS Racismo PortugalFoto: João Carlos/DW

Racismo que sofreu há 20 anos, mas que continua bem vivo. O ex-futebolista admite que o regulamento da Federação Internacional de Futebol (FIFA) sobre esse quesito hoje tem mais impacto.

Contudo, a falta de leis que criminalizam o racismo impede a responsabilização, segundo a SOS Racismo, e as poucas existentes são leves e pouco eficazes. 

"O racismo existe na sociedade portuguesa e em todo o lado. Há o racismo estrutural, que não quer ser reconhecido como tal, portanto, há uma negação sobre o que existe neste país e o futebol não é exceção. Há também discriminação racial, violência...", relata José Falcão. 

"Somos todos seres humanos no fim do dia"

O moçambicano Jorge Vaz é um grande apreciador "do desporto rei" e entende que, por vezes, as ofensas raciais são uma espécie de 'tubo de escape' para extravasar a fúria dos adeptos em casos de má prestação das suas equipas do coração.Tanto é que inclusive jogadores brancos também podem ser alvos.

"Os adeptos olham para os jogadores como se fossem inimigos, mas não são inimigos, são rivais. É engraçado que Oliver Khan, antigo guarda-redes da Alemanha, também sofria isso. Os adeptos sentem na pele situações que não abonam em nada o futebol."

Apesar de ser um campo fértil para os insultos raciais mais humilhantes, o desporto é paradoxalmente o espaço onde há mais hipóteses de vingar o respeito, entende o também ator Jorge Vaz.

"O futebol, e o desporto no geral, une nações, une povos e até acaba com guerras várias vezes. Então, o racismo é coisa de pessoas sem noção. Se formos a ver, nas grandes seleções, há pessoa negras. A seleção da França, por exemplo, é composta maioritariamente por pessoas negras, naturalizados ou que nasceram lá. O futebol não tem de ser uma questão de cor, é um desporto que une massas, envolve sentimento e nós somos todos seres humanos no fim do dia", conclui Vaz.

Nádia Issufo
Nádia Issufo Jornalista da DW África
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