Destruição de boletins de voto espelha "receio" da CNE
8 de janeiro de 2025Os próximos dias em Moçambique preveem-se "tensos". Venâncio Mondlane chega, esta quinta-feira (09.01), ao país - a tempo da tomada de posse dos deputados a 13 de janeiro e do novo Presidente do país no dia 15. Para dia 17, a Comissão Nacional de Eleições (CNE) já anunciou a destruição dos boletins de voto das eleições gerais de 9 de outubro. Uma ação que, aos olhos do jurista e investigador do Centro de Integridade Pública (CIP), Ivan Maússe, pode acirrar ainda mais os ânimos no país.
Apesar de legal, explica o também especialista em direito eleitoral em entrevista à DW, a destruição dos boletins de voto "apenas cerca de três meses" após o pleito pode espelhar "o receio da CNE" em que se investiguem os contornos do processo eleitoral.
"Ainda é muito cedo para fazer essa destruição, porque ainda existem mecanismos externos" [para recorrer dos resultados], diz. Leia a entrevista:
DW África: Como antevê os próximos dias em Moçambique?
Ivan Maússe (IM): Nos próximos dias vive-se um clima de incerteza, sobretudo com a chegada, quinta-feira, do candidato presidencial do partido PODEMOS, Venâncio Mondlane, que entende que vai tomar posse no mesmo dia de Daniel Chapo, candidato presidencial do partido FRELIMO [declarado vencedor das eleições pela CNE].
Podem existir momentos de tensão [protagonizados] pelos apoiantes de Venâncio Mondlane e de Daniel Chapo, com a possibilidade do uso de forças policiais, tal como tem vindo a acontecer, para dispersar as massas. Os manifestantes [apoiantes de Venâncio Mondlane] podem querer colocar em causa a cerimónia de posse oficial, e isto terminar em situação de mortes e ferimentos.
DW África: A acrescer a isso, a CNE agendou para o próximo dia 17 de janeiro a destruição dos boletins de voto das eleições gerais. Como olha para este anúncio?
IM: Na nossa opinião, ainda é muito cedo para fazer essa destruição, porque, apesar de já terem sido esgotados os mecanismos de recorrer internamente para que os resultados eleitorais sejam afastados, ainda existem mecanismos externos. E este material que a CNE tem seria importante para os diferentes interessados neste processo exibirem às instituições externas que possam intervir em Moçambique.
DW África: Neste contexto de contestação, e apesar de ser legal, a destruição dos boletins de voto pode acirrar ainda mais os ânimos no país?
IM: Sem dúvidas porque, apesar de ser de facto um comando legal, a experiência que nós temos é que a CNE, nas eleições passadas, não fez um comunicado desta natureza, ou seja, não deliberou neste sentido, apesar de que é de lei que esta matéria pode ser destruída. Mas num contexto em que nós assistimos a uma onda de manifestações e protestos em relação a estas eleições que, ao que tudo indica, foram das mais fraudulentas, pode mostrar algum tipo de receio por parte da CNE de deixar o material.
E mais do que isso, é preciso considerar que, ao nível do ordenamento jurídico moçambicano, em várias outras leis há a obrigatoriedade de conservar o material pelo menos entre três a cinco anos – por exemplo, nos bancos comerciais, mesmo no banco central e tantas outras instituições. Embora de lei, não se entende por que razão a CNE quer destruir o material que é de uma eleição que remonta a três ou quatro meses atrás.
É preciso considerar que esta disposição legal pode ter sido propositada, sobretudo num contexto em que, em Moçambique, quem tem dominado o aparato público é o partido FRELIMO que é quem controla as instituições públicas neste país.