Críticas aos "superpoderes" de João Lourenço
26 de setembro de 2019O debate sobre o excesso de poderes do Presidente angolano não é novo. Começou com a entrada em vigor da Constituição da República de Angola aprovada em 2010, lembra o ativista cívico Jeremias Benedito.
"A Constituição foi feita à medida do [ex-Presidente] José Eduardo dos Santos", afirma em entrevista à DW África. "Do ponto de vista dos direitos fundamentais, a Constituição é bastante democrática, mas peca pela questão dos poderes e de não permitir candidaturas independentes, e isso periga um Estado democrático e de Direito."
"Precisamos de nos desfazer desta Constituição", conclui Benedito.
Presidente nega poderes excessivos
No início do ano, os dois maiores partidos da oposição, a União Nacional para Independência Total de Angola (UNITA) e a Convergência Ampla de Salvação de Coligação Eleitoral (CASA-CE), também consideraram que a Constituição atribui "excessivos poderes ao Presidente da República", pedindo uma revisão da Lei Fundamental.
Mas em entrevista à Televisão Pública de Angola (TPA) e ao Novo Jornal, em junho, João Lourenço negou ter poderes excessivos, referindo, ainda assim, que a revisão da Constituição não é um ato obrigatório, mas pode ocorrer a qualquer altura.
Agostinho Sicatu, politólogo e diretor do Centro de Debates e Estudos Académicos, entende, no entanto, que Lourenço não está interessado em perder os atuais poderes constitucionais.
"O Presidente já mostrou que não quer ver os poderes reduzidos. Eles desenham exatamente esse modelo para serem vistos assim. Dai que [até] os jornalistas em Angola não estão à vontade. Eles ainda olham para o Presidente como um 'deus', e são esses poderes que eu acho que o Presidente quer manter", diz Sicatu.
Que poderes?
João Lourenço é chefe de Estado, titular do poder executivo, responsável pelas relações internacionais, comandante-em-chefe das Forças Armadas Angolanas e responsável pela segurança nacional. E, por exemplo, tem a competência de nomear juízes, ministros e embaixadores, tal como procuradores.
Quanto aos ministros, desempenham um papel de auxiliares, que atuam com delegação de poderes.
A atual Constituição é um "fardo pesado" de que o Presidente se deveria "livrar", comenta Agostinho Sicatu.
"Porque esta Constituição tem consequências para o futuro. Ainda mantém a figura de 'ordem superior', do chefe: todos devem obediência exclusivamente ao chefe, têm de se ajoelhar perante o chefe para apanhar alguns cargos", afirma.
Ativista: Reformas eficazes só com revisão
João Lourenço, que completa dois anos na Presidência angolana esta quinta-feira (26.09), tem recebido rasgados elogios da comunidade internacional pelas reformas do Estado que tem levado a cabo. E, na terça-feira, destacou esse trabalho durante a Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova Iorque. Segundo Lourenço, as reformas "têm como objetivo construir de facto um Estado democrático e de Direito, combater a corrupção e a impunidade, promover a cultura de responsabilização e prestação de contas pelos servidores públicos [e] criar um ambiente de negócios mais atrativo ao investimento privado nacional e estrangeiro."
Mas, para o ativista cívico Jeremias Benedito, estas reformas só serão eficazes se a Constituição for revista e se se reduzir os poderes presidenciais.
"Para ter sucesso é necessário que mude a Constituição. Que tenha a coragem para começarmos a discutir a questão da Constituição que lhe confere poderes excessivos, porque estamos diante de um 'super-presidencialismo', de um 'hiper-poder'", diz Benedito.