Covid-19 divide Brasil e opõe Bolsonaro e governadores
21 de abril de 2020A chegada da tão temida pandemia de Covid-19 ao Brasil despertou o mundo para uma crise política e social, que mostra país polarizado e uma profunda crise. Uma questão de saúde pública, que necessita de grandes intervenções do Estado para garantir o bem-estar de todos, passou a ser o centro de um braço de ferro.
A acentuada erosão social do Brasil agravou-se nas últimas semanas e, como consequência, milhares e quem sabe até milhões de pessoas podem pagar pela real falência das instituições do Estado.
O Presidente da República, Jair Bolsonaro, chefe de Estado que deveria tomar as medidas para conter o avanço do novo coronavírus no país e salvaguardar a vida dos brasileiros, nega a letalidade da doença. A 10 de março, durante uma conferência de imprensa, disse que os meios de comunicação social e o mundo estão a aumentar o potencial da Covid-19.
"Obviamente temos no momento uma crise, uma pequena crise. No meu entender, muito mais fantasia, a questão do coronavírus, que não é isso tudo que a grande mídia propala ou propaga pelo mundo”, afirmou o Presidente Jair Bolsonaro.
No dia seguinte, 11 de março, a Organização Mundial de Saúde (OMS) elevou o risco do novo coronavírus declarando estado de pandemia. Nessa altura, governadores e prefeitos começaram a tomar as suas próprias medidas, mesmo sem o apoio do Presidente da República, que atacou as ações num pronunciamento nacional, realizado em 24 de março.
"Algumas autoridades estaduais e municipais devem abandonar o conceito de terra arrasada, a proibição de transportes, o encerramento do comércio e o confinamento em massa”, afirmou Bolsonaro.
Economia em primeiro lugar
O posicionamento de Jair Bolsonaro é o reflexo da eterna "paralaxe brasileira" face a crises epidemiológicas. A economia em primeiro lugar e as vidas das populações mais carentes em segundo plano.
Em confronto com as ordens do Governo Federal estão os governadores de São Paulo, João Dória, e do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, por exemplo, que implantaram medidas de isolamento social rígidas para reduzir a acentuada curva de contágio pelo novo coronavírus. Os dois estados são os mais atingidos pela doença com o maior número de mortes registadas pela Covid-19 no Brasil.
Neste braço de ferro, os que eram aliados, como os governadores, passam a ser inimigos por não acatarem as ordens do Presidente. Por seguir as indicações da OMS e exemplos positivos obtidos em outros países, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, protagonizou uma verdadeira novela, daquelas que os brasileiros estão acostumados a assistir diariamente no horário nobre da televisão.
Se no começo da pandemia o médico e ministro seguia as ordens do Presidente, com o avanço rápido da doença e o colapso do Sistema Único de Saúde (SUS), antes mesmo do pico de infeções chegar, mudou o seu discurso e defendeu o isolamento social e medidas drásticas para conter o novo coronavírus. Com visões opostas, o embate entre o chefe e o funcionário tornou-se público, bastando uma entrevista para se concretizar a demissão do ministro, visto pelos brasileiros como uma esperança contra a Covid-19.
A obsessão e as mortes
O Brasil tem mais de 209 milhões de habitantes, espalhados por 26 estados e pelo Distrito Federal, compreendidos em cinco regiões. Ao todo são 5.570 prefeitos que juntamente com os governadores de Estado estão a tomar as suas medidas isoladas para combater o coronavírus. Alguns são mais incisivos, mas outros nem tanto.
Do outro lado está Jair Bolsonaro, que conta com muitos aliados dentro desses números e uma legião de apoiantes que saem às ruas para protestar contra o isolamento social, contando com a presença do Presidente na maioria dos seus atos.
Entre as várias situações registadas ao longo das últimas semanas, no domingo (19.04) foram feridos alguns preceitos da Constituição, quando Jair Bolsonaro recebeu manifestantes à porta do Palácio, encorajando os seus apoiantes que pediam o regresso do AI-5 e o fim da quarentena.
O Ato Institucional número 5 (AI-5) foi decretado durante o regime ditatorial imposto pelos militares, a 13 de dezembro de 1968. Desde 15 de março de 1985, altura em que o Brasil regressou ao regime democrático, a Lei de Segurança Nacional prevê como crime incitações populares a favor da ditadura.
Em pedido remetido ao Supremo Tribunal Federal (STF), o procurador-geral da República, Augusto Aras pediu que o Presidente e alguns deputados federais que participaram na manifestação sejam investigados pela violação da Lei.
"O Estado brasileiro admite uma única ideologia que é a do regime da democracia participativa. Qualquer atentado à democracia afronta a Constituição e a Lei de Segurança Nacional”, afirmou o procurador no parecer enviado ao STF.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, um dos líderes contrários às ideias defendidas por Jair Bolsonaro, usou a sua conta no Twitter para repudiar o ato do Presidente.
O Presidente Jair Bolsonaro defende o fim do isolamento social no Brasil nos próximos dias, com o regresso gradual da indústria e comércio. Já o governador de São Paulo, João Dória, também publicou na sua conta no Twitter que as medidas de isolamento serão gradualmente revertidas a partir de 10 de maio, mas a ciência é que vai determinar as suas ações.
Na segunda-feira (20), após a divulgação do balanço oficial da Covid-19 no Brasil, o Presidente foi questionado pela imprensa sobre as 2.575 mortes causadas pela doença. Visivelmente irritado, a sua resposta foi "não sou coveiro, tá”.
Uma divergência na contagem de mortes levou o Ministério da Saúde a divulgar que teriam sido mais de 300, mas horas depois informou que o relatório correto apontaria para 113 óbitos confirmados pelo novo coronavírus nas últimas 24 horas.
Numa entrevista à porta da sua residência no Palácio da Alvorada, no dia 29 de março, Bolsonaro disse que todos "vão morrer um dia”.
"Essa é uma realidade, o vírus está aí. Vamos ter que enfrentá-lo, mas enfrentar como homem, porra. Não como um moleque. Vamos enfrentar o vírus com a realidade. É a vida. Todos nós iremos morrer um dia", afirmou o Presidente na publicação do portal G1.