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Condenação de Chang é "grande vitória" da sociedade civil

António Cascais
20 de janeiro de 2025

Analista diz que condenação do ex-ministro das Finanças comprova ilegalidade das dívidas. Mas adverte que o processo nos EUA poderá não trazer ganhos financeiros para Moçambique. Chang ainda 'pode ser detido' no país.

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Manuel Chang durante sessão num tribunal sul-africano, em janeiro de 2018
Manuel Chang, ex-ministro das Finanças de MoçambiqueFoto: Getty Images/AFP/W. de Wet

Na sexta-feira passada (17.01) o ex-ministro das Finanças de Moçambique foi condenado, nos Estados Unidos, a oito anos e meio de prisão.

Manuel Chang foi acusado de receber sete milhões de dólares em subornos, no escândalo das "dívidas ocultas". Foi também acusado de conspiração para desviar fundos.

Borges Nhamirre, jornalista, investigador e especialista em questões ligadas à "boa governação" que acompanhou o "caso das dívidas ocultas" desde o início, diz que Chang só deverá permanecer preso por mais dois anos e meio, uma vez que já cumpriu boa parte da pena. Nhamirre não acredita num recurso por parte da defesa, porque poderia resultar numa pena ainda mais longa.

Em geral, o investigador considera a condenação do ex-ministro das Finanças uma "grande vitória" da sociedade civil, uma vez que fica comprovada a ilegalidade das dívidas. Mas adverte que o processo nos Estados Unidos não deverá trazer ganhos financeiros para Moçambique.

DW África: O juiz da causa, em Nova Iorque, disse que recomendaria que Chang fosse creditado pelos cerca de seis anos que esteve detido à espera de julgamento. Isso significa que o ex-ministro pode ser libertado da prisão norte-americana e deportado para Moçambique após dois anos e meio?

Borges Nhamirre (BN): A decisão final de quanto tempo Manuel Chang vai cumprir na prisão, dos oito anos e meio a que foi condenado, cabe ao Departamento das Prisões do governo norte-americano. Mas os especialistas, inclusive os procuradores, acreditam que realmente o tempo que ainda vai permanecer na cadeia será esse de dois anos e meio para ser adicionado àquilo que já cumpriu.

Dívidas ocultas: O crime compensa?

DW África: Chang declarou-se inocente. A defesa ainda pode recorrer da decisão?

BN: Tecnicamente pode, mas talvez o recurso não seja benéfico dado que os procuradores do Departamento de Justiça haviam pedido uma pena de prisão de 14 anos para Manuel Chang. O juiz arbitrou oito anos e mais, o que é muito abaixo daquilo que a acusação havia pedido. E se Manuel Chang recorre dessa decisão, pode ser que, na decisão do recurso, ele venha a apanhar muito mais tempo do que o atual. Então, talvez ele não queira correr esse risco.

DW África: A sociedade civil tem razões para estar contente com esta sentença? O contribuinte moçambicano, o erário público, poderá beneficiar financeiramente desta sentença?

BN: A grande luta que a sociedade civil fez, da qual eu e todos somos parte, era para que realmente se comprovasse que essas dívidas são ilegais. Neste momento temos três tribunais, em três países diferentes, que condenaram pessoas envolvidas nas dívidas, a mostrar que elas são ilegais, foram fraudulentas.

Então, se todos esses tribunais concluíram que o Estado do povo moçambicano foi defraudado, penso que a sociedade civil consegue uma grande vitória. Agora, em relação ao dinheiro, é um processo independente. Não acredito que todo o dinheiro que Manuel Chang e outros venham a pagar nos Estados Unidos da América vá para Moçambique. Portanto, não há nenhum dinheiro que vá para Moçambique. Mas há, pelo menos, esse sentimento de que o crime não compensa.

Dívidas ocultas: "O maior condenado é o povo moçambicano"

DW África: Quando Chang regressar a Moçambique, haverá possibilidade de o incriminar ou julgar num processo em Moçambique?

BN: Em princípio sim, porque Manuel Chang é acusado de crimes em Moçambique relacionados com o mesmo processo. Em princípio, chegando a Moçambique, Manuel Chang será imediatamente detido, havendo esse processo contra ele.

Agora, é preciso compreender que esse processo está muito politizado, por causa da qualidade dos sujeitos. Neste momento, temos muitas pessoas envolvidas nas dívidas ocultas que sequer estão detidas em Moçambique. Estou a falar concretamente, por exemplo, da antiga diretora nacional do Tesouro, que também é acusada no mesmo processo de ter recebido subornos. Estou a falar de pessoas como o próprio ex-Presidente Nyusi, acusado de ter recebido subornos. 

Essas são as pessoas notáveis, mas há muitas outras pessoas. Portanto, esse é um processo muito politizado e que não se pode prever por causa disso. Depende da vontade política. Pode ser que, se Manuel Chang daqui a dois anos e meio voltar para Moçambique, não lhe aconteça nada, como o que está a acontecer a essas pessoas que mencionei. Mas também pode ser que aconteça. Essa parte política é difícil de prever.

Mas a parte técnica, sim. O processo contra Manuel Chang, em Moçambique, não morre porque foi condenado nos Estados Unidos da América. São dois processos diferentes. E esse processo de Manuel Chang não prescreve. Os crimes de corrupção em Moçambique não prescrevem. Então, não interessa quanto tempo depois a pessoa esteja disponível, sempre vai ter de ser levada à Justiça.