Como o "hotel de Isabel dos Santos" passou despercebido
17 de janeiro de 2023O nome da empresária angolana Isabel dos Santos preenche de novo os títulos da imprensa portuguesa devido à sua suposta ligação ao projeto de um hotel de luxo submetido à Câmara Municipal de Lisboa (CML) em 2019 pela H33 – Sociedade Imobiliária.
A referida empresa é detida por Vasco Pires Rites, conhecido pelas suas alegadas ligações à filha do ex-Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos. Segundo a imprensa, trata-se de um projeto encoberto por chamados "testas de ferro", depois das autoridades portuguesas, a pedido de Angola, terem arrestado os bens de Isabel dos Santos em Portugal.
A notícia surpreendeu João Paulo Batalha, depois das revelações do Luanda Leaks e do conjunto de processos judiciais que visam Isabel dos Santos. O vice-presidente da Frente Cívica, uma associação anticorrupção, aconselha as autoridades portuguesas a estarem muito vigilantes a potenciais negócios que a empresária angolana ainda tenha em Portugal, com recurso a testas de ferro que não eram ainda conhecidos.
"Infelizmente, no caso da Câmara Municipal de Lisboa, não foi isso que aconteceu. E é sintomático que uma vereadora que acumula o pelouro do urbanismo com o pelouro de combate à corrupção tenha privilegiado a aprovação de uma operação urbanística em vez do combate à corrupção", destaca João Paulo Batalha.
O hotel de luxo
De acordo com a última edição do semanário português "Expresso", o projeto de empreendimento turístico que aguardava aprovação no gabinete de Joana Almeida, vereadora do Urbanismo e da Transparência e Combate à Corrupção, foi submetido em 2019 ao anterior executivo, sob a presidência de Fernando Medina, atual ministro das Finanças.
Segundo o jornal, a proposta de transformação de um prédio de habitação no centro da capital portuguesa, agora pendente, foi subscrita pela vereadora e constava na ordem de trabalhos de uma das últimas reuniões privadas da Câmara Municipal de Lisboa.
O conflito veio a público quando alguns políticos puseram em causa o nome de Vasco Rites, da empresa promotora do projeto, conhecido como um dos testas de ferro de Isabel dos Santos em Portugal, antigo administrador de várias das suas empresas. Rites foi, durante década, um dos protagonistas nos negócios duvidosos de Isabel dos Santos expostos na operação "Luanda Leaks", mas escapou às malhas da Justiça portuguesa e angolana.
O "Expresso" refere ainda que o ex-consultor da PricewaterhouseCoopers (PWC) acompanhou o dossier para a construção da barragem de Cabulo Cabaça, na província do Cuanza-Norte (Angola), sob a alçada de Isabel dos Santos.
O processo do hotel só foi travado porque houve uma discussão pública na autarquia de Lisboa, o que permitiu conhecer o verdadeiro dono do negócio.
Sistemas "não estão preparados"
O jurista Rui Verde, investigador na Universidade de Oxford (Inglaterra), admite que "provavelmente" não haverá obstáculos legais para a Câmara Municipal de Lisboa avançar com o projeto. "Mas é uma decisão política das autoridades portuguesas saber se vão continuar cúmplices do branqueamento de capitais que tem eventualmente acontecido, proveniente de Angola, ou não."
O analista acrescenta que o suposto licenciamento de um hotel em Lisboa, propriedade de Isabel dos Santos, leva à conclusão que "os sistemas jurídicos domésticos - seja angolano, seja português - não estão preparados para confrontar ou controlar a complexidade dos atuais arranjos internacionais de movimento de capitais".
"O Direito em relação a Isabel dos Santos falhou", diz Rui Verde. "A questão de Isabel dos Santos não é uma questão jurídica, mas política. Essencialmente, a política tem que tomar conta do assunto e resolver da forma que achar mais adequada, utilizando os meios diplomáticos e de pressão das relações internacionais. Estamos perante questões fundamentais de política e de soberania e não questões de Direito."
Para João Paulo Batalha, as autoridades portuguesas continuam demasiado permeáveis a negócios do género sem fazerem uma verificação cuidada de quem são os seus beneficiários efetivos.
"Portugal continua a ser usado como plataforma de lavagem de dinheiro", afirma.
"É um risco que se mantém bem real, apesar de em Portugal começarmos a acumular estruturas nacionais ou municipais de combate à corrupção."