Chade: O inesperado debate sobre a migração
27 de novembro de 2017O Presidente francês, Emmanuel Macron, dá início esta segunda-feira (27.11) à sua primeira viagem a África. Até quinta-feira, passa pelo Burkina Faso, Costa do Marfim e Gana, ambicionando melhorar a imagem de França.
A primeira etapa da viagem será na capital burkinabé, onde Macron fará o seu discurso principal perante 800 estudantes da Universidade de Ouagadougou. Depois, o Presidente francês vai para Abidjan, na Costa do Marfim, onde participa na Cimeira União Europeia-União Africana. Dirigindo-se a outros chefes de Estado e de Governo, Macron destacará, em particular, a luta coordenada contra as redes de traficantes e o apoio da França para a luta contra o terrorismo nos países do G5 Sahel.
Na bagagem está também a questão da migração, numa altura em que a proposta de Emmanuel Macron de criar centros de refugiados no Chade e no Níger - anunciada em agosto - continua a dar que falar. Para os chadianos, no entanto, o salto do país para o centro do debate sobre a migração é surpreendente.
"Migração não é uma grande questão"
Marie Larlem está sentada no seu escritório, junto à embaixada dos Estados Unidos, na capital do Chade, N'Djamena. Dirige a Associação para a Promoção das Liberdades Fundamentais no Chade (APLFT, na sigla em inglês) e, juntamente com os seus 118 funcionários, lida diariamente com várias questões sócio-políticas, desde a educação à redução da pobreza, passando pela igualdade de género. A associação também fornece apoio legal. Mas a migração não integra o portefólio da ONG. Esta "é uma grande preocupação na Europa. Mas a migração não é uma grande questão aqui", explica a ativista chadiana.
Com cerca de 14 milhões de habitantes, o Chade tornou-se inesperadamente um ponto-chave no discurso internacional sobre a migração. Isto, porque o Presidente francês, Emmanuel Macron, quer criar um centro de refugiados no Chade. E há também planos para criar um centro no vizinho Níger. O objetivo é processar os requerimentos de asilo em África, no futuro. França planeia receber 3 mil pessoas dos dois países. A implementação do programa está a cargo do gabinete francês para a proteção de refugiados e apátridas (OFPRA, na sigla em francês).
O porta-voz da Agência das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) em N'Djamena, Ibrahima Diane, vê a ideia com bons olhos, sublinhando que "o OFPRA quer dar um lugar aos refugiados que estão no Chade".
"É um gesto de solidariedade para com um país que concede asilo, o Chade, mas também para os refugiados: isto significa que finalmente vão ter uma melhor proteção, de acordo com as suas necessidades", considera.
Longe da normalidade
Para já, ainda não são claros os moldes em que o centro de refugiados será criado. Ou mesmo se terá um gabinete permanente. Em outubro, representantes franceses entrevistaram mais de 200 potenciais requerentes de asilo – um número ínfimo, tendo em conta que actualmente mais de 400 mil refugiados vivem no Chade. Mais de 322 mil pessoas chegaram durante o conflito do Darfur e, desde então, estão retidas no país. Não estão autorizadas a trabalhar e regressar ao país de origem está fora de questão, segundo Ibrahima Diane, do ACNUR.
"Na maioria dos países de onde vêm os refugiados, a situação ainda não voltou ao normal. Podemos ver o que se está a passar na República Centro-Africana, na Nigéria e na região do Lago Chade", explica o porta-voz da agência da ONU. Para Ibrahim Diane, "França dará às pessoas afetadas a possibilidade de se estabelecerem com a ajuda das autoridades francesas”.
Opinião diferente tem Beral Mbaikoubou, membro do Movimento dos Patriotas Chadianos para a República, partido na oposição. O politico está contra a criação de um centro de refugiados no Chade. "Estamos muito reticentes quanto a estes centros. Assumimos que irão atrair mais gente. Há o risco de todas as pessoas que querem pedir asilo virem para o Chade", considera.
O Chade é cada vez mais um país de trânsito para os refugiados. No ano passado, durante uma visita à Alemanha, o Presidente chadiano, Idriss Dèby, afirmou que 90% dos migrantes do Níger chegam à Líbia através do Chade. Não há, no entanto, dados oficiais que confirmem estas declarações.
Um debate inocente?
Por outro lado, analistas consideram improvável que os próprios chadianos abandonem o país em direcção à Europa, no futuro. O motivo é simples: de acordo com Índice de Desenvolvimento das Nações Unidas, o país é o terceiro mais pobre do mundo e atravessa uma grave crise económica. Os habitantes simplesmente não têm dinheiro para financiar a viagem.
Para a ativista dos direitos humanos Marie Larlem, esta não é a única explicação: "A população do Chade não tem a tradição de sair do país". Alguns chadianos, acrescenta, "podem sair por motivos politicos ou outros, mas a questão da migração não preocupa a população".
Para a ativista, o debate sobre a migração desvia atenções dos assuntos que realmente afetam as pessoas: nomeadamente, a falta de medidas para a redução da pobreza.
Em N'Djamena, no entanto, há quem acredite na existência de uma estratégia política por trás deste súbito interesse na migração e no Chade. Desde a Cimeira de Valetta, dedicada à migração, em 2015, têm estado a fluir fundos para projectos de "combate às razões pelas quais as pessoas abandonam os seus países”. Após uma reunião em Paris, no passado mês de Setembro, o Presidente Idriss Déby afirmou ter recebido promessas de financiamento de mais de 15 mil milhões de euros. O Produto Interno Bruto do Chade não chega a 10 mil milhões de euros por ano.