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Caso 500 milhões: Confronto direto entre tribunais?

12 de julho de 2024

Tribunal Supremo mantém condenações apesar da inconstitucionalidade decretada pelo Constitucional. Defesa dos réus promete recorrer: "Não vamos ficar de braços cruzados". Jurista alerta para crise no sistema judicial.

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Angola Supreme Court in Luanda
Foto: Osvaldo Silva/AFP/Getty Images

O controverso caso dos "500 milhões", o Tribunal Supremo de Angola decidiu manter as condenações, mesmo após o Tribunal Constitucional declarar a inconstitucionalidade do julgamento inicial. Um dos réus é José Filomeno dos Santos "Zenu", filho do ex-Presidente José Eduardo dos Santos. O impasse jurídico põe em xeque a relação entre os dois tribunais.

Em agosto de 2020, José Filomeno dos Santos, Valter Filipe da Silva, Jorge Guadens Pontes Sebastião e António Samalia Bule Manuel foram condenados pelo Tribunal Supremo por crimes de peculato, burla por defraudação e tráfico de influência, com penas que variavam entre cinco e oito anos de prisão. Os crimes envolviam a transferência ilícita de 500 milhões de dólares para uma conta bancária em Londres.

No entanto, em resposta a um recurso extraordinário de inconstitucionalidade, o Tribunal Constitucional determinou que o julgamento original violava os princípios de legalidade, contraditório, julgamento justo e direito à defesa, anulando assim a decisão do Supremo. O Tribunal Constitucional tinha decretado que o Supremo violou o princípio de um julgamento justo ao desvalorizar uma carta-resposta do antigo chefe de Estado José Eduardo dos Santos, considerada "essencial para a descoberta da verdade material".

Já o Procurador-Geral da República de Angola, Hélder Pitta Gróz, após decisao do TC, tinha reconhecido aas falhas no processo, enfatizando a necessidade de melhorar os procedimentos judiciais.

Críticas e preocupações

A defesa dos réus, Sérgio Raimundo, criticou duramente a decisão do Tribunal Supremo. Argumenta que o tribunal desrespeitou a ordem do Tribunal Constitucional e que a única solução seria o arquivamento do processo, porém promete:

"Não vamos ficar de braços cruzados. Nós estamos perante uma nova decisão. Não é uma expurgação. O Tribunal Constitucional não mandou produzir uma nova decisão, mandou expurgar da decisão declarada inconstitucional as inconstitucionalidades... E porque não é um primeiro caso da nossa Justiça, do Tribunal Supremo, entrar em guerras com o Tribunal Constitucional."

Em entrevista a DW, o jurista Carlos Cabaça expressou preocupação, explicando que o Constitucional e o Supremo devem operar em harmonia, cada um respeitando o papel do outro. Cabaça criticou a decisão do Tribunal Supremo por manter as penas, contrariando a orientação do Tribunal Constitucional.

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"O Tribunal Constitucional não está acima do Tribunal Supremo, mas suas orientações devem ser cumpridas em bom rigor e em boa fé. Infelizmente, não foi isso que aconteceu."

Ele ainda comentou sobre as possíveis implicações dessa decisão para a confiança no sistema judicial angolano.

"Se os arguidos entenderem que estão satisfeitos com a decisão do Supremo, o processo vai morrer por aí. Mas se recorrerem, a situação poderá complicar-se ainda mais."

José Gama, jornalista investigativo, sugere que o juiz do Tribunal SupremoJoão Leonardo, responsável pela condenação inicial, atuou considerando apenas os seus interesses profissionais:

"O João Leonardo está a colocar a sua honra por cima e a defesa do seu nome como profissional e líder da justiça, acima daquilo que foi a decisão de um Tribunal Superior. É somente isso."

Gama observa que esta situação intensifica a crise no sistema judicial angolano, já fragilizado por acusações de corrupção e má gestão.

"Estamos aqui diante de uma crise de confiança nas instituições, sobretudo na Justiça Angolana. Esta decisão do Tribunal Supremo lança uma discussão muito forte na família jurídica."

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Próximos passos

Constitucionalistas defendem que a decisão do Tribunal Constitucional era de cumprimento obrigatório, o que levava necessariamente ao arquivamento do processo. Esta terça-feira (09.07), o Tribunal Supremo divulgou, entretanto, a sua decisão, argumentando ter expurgado as inconstitucionalidades, apesar de manter as penas aplicadas pela Câmara Criminal em 2020.

A DW contactou os dois Tribunais, mas ambos os tribunais preferiram não comentar o teor ou o sentido dos acórdãos publicamente, aguardando um eventual recurso por parte da defesa dos réus. Fontes que preferem não ser identificadas indicaram que qualquer pronunciamento formal ocorrerá apenas após a apresentação de novos recursos pelos advogados dos condenados.

O advogado de defesa concorda: " A minha expectativa é positiva. Sob pena dos próprios juízes do Tribunal Constitucional estarem a colocar-se numa posição ridícula. E ali sim, ali tem algumas pessoas com currículo académico respeitado. E, portanto, essas pessoas têm orgulho, têm dignidade a defender".

A decisão do Supremo de manter as condenações apesar das alegações de inconstitucionalidade confirmadas pelo Tribunal Constitucional levanta questões sobre a independência e a integridade do sistema judicial angolano, causando impacto na confiança pública nas instituições jurídicas do país.

A defesa dos réus defende que vai recorrer novamente ao Tribunal Constitucional, buscando a anulação definitiva das condenações e o arquivamento do processo, numa tentativa de restaurar a justiça e a confiança no sistema judicial.

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