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Angola: Crença na feitiçaria impede direito à herança

13 de novembro de 2023

Mulheres viúvas são discriminadas na hora de receber a herança, na província angolana do Moxico. A crença na feitiçaria também as inibe de pedir o que é seu. Especialistas tentam sensibilizar as famílias para o problema.

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Consulta pública realizada numa praça, na província do Moxico, Angola, numa iniciativa da Delegação municipal dos Direitos Humanos em parceira com a Ordem dos Advogados
Foto: Georgina Gomes/DW

Muitas famílias na província angolana do Moxico têm medo de pedir as suas heranças devido a crenças na feitiçaria.

O escasso conhecimento sobre as leis tem levado à discriminação de mulheres viúvas e dos filhos órfãos. Aplicando o direito costumeiro, as heranças vão para outros membros da família. E as mulheres e filhos temem reivindicar o que lhes pertence, pois acreditam que "a família da pessoa falecida lhes possa fazer mal" recorrendo à feitiçaria, explica Belmiro Chimoco, delegado da Ordem dos Advogados no Moxico.

É por isso que muitas pessoas não recorrem a advogados: "Não procuram os nossos serviços. Não procuram reaver os seus direitos quando são lesados", diz Chimoco.

No entanto, as mulheres viúvas e os filhos órfãos podem, e devem, ficar com os bens, realça Honório Barroso, coordenador municipal dos direitos humanos, que se disponibiliza para ajudar.

"Toda aquela herança que os órfãos ou viúvas terão perdido por conta do falecimento do progenitor, nós estamos aqui para apoiá-los de forma gratuita, para reaverem tudo quanto perderam. Como a cultura é muito forte, [é preciso] consultoria jurídica e social para desmistificar esta questão cultural africana."

Um mulher em frente ao tribunal de comarca do Moxico, onde, de janeiro a setembro deste ano, foram registados mais de 100 processos de crimes patrimoniais
De janeiro a setembro deste ano, foram registados neste tribunal mais de 100 processos de crimes patrimoniaisFoto: Georgina Gomes/DW

O delegado Belmiro Chimoco acrescenta que as pessoas podem pedir a herança a qualquer momento. "Podem passar 20 ou 30 anos, se o bem que ela perdeu ainda existir, é possível pedi-lo", afirma.

Filhos de relações extraconjugais

O medo é vivido pelas mulheres ou pelos filhos nascidos em relações extraconjungais. Muitos têm medo dos feitiços e preferem perder o património em vez de o pedir.

Mas Marta Alberto, viúva de 48 anos de idade, foi a tribunal e recuperou o que lhe pertencia: "O que o falecido deixou é para a esposa - se deixou namorada ou fez filhos fora, aquelas mulheres não têm nada a ver com os bens, mas os filhos sim", explica.

"Eu vivi com o meu marido durante quase 23 anos e ele é o pai de todos os meus filhos. Dividiram-se as casas e me deram a casa grande - a casa pequena deram aos filhos. Com a decisão do tribunal, já não estão a me incomodar mais e estou a viver normalmente."

Por isso, Marta Alberto deixa um conselho: "Aos que nunca constituíram advogado, que o procurem".   

Marta Alberto recorreu ao tribunal e recuperou o seu património
Marta Alberto recorreu ao tribunal e recuperou o seu patrimónioFoto: Georgina Gomes/DW

Pedindo mais atenção às famílias vulneráveis à expropriação, a diretora municipal da Ação Social, Piedade Figueiredo, diz que "o fenómeno de expropriação de herança deve ser debatido em todos os quadrantes sociais".

"Deve-se trabalhar para a justiça, proteção e segurança dos direitos fundamentais dos cidadãos, sobretudo naqueles casos em que, devido à sua condição económica e financeira, [os indivíduos] não têm possibilidades de contratar um advogado que os possam defender", diz. 

De janeiro a setembro deste ano, mais de 100 processos de crimes patrimoniais foram registados pelo Tribunal da Comarca do Moxico.