Estudo: Combate à corrupção em Angola não está a ter efeito
6 de junho de 2020Um estudo levado a cabo pela Cedesa, uma entidade internacional dedicada ao estudo e investigação de temas políticos e económicos da África Austral, concluiu que o combate à corrupção em Angola, apesar das intenções "muito claras manifestadas pelo Presidente da República, João Lourenço, não está a surtir efeito imediato e permanente".
De acordo com o documento, a que a agência Lusa teve acesso, a análise realça também que, do ponto de vista fático, os processos não avançam com celeridade, "nem as práticas corruptas parecem ter sido erradicadas, perdurando como uma realidade na vida do país".
Três sugestões
"É neste contexto que se torna fundamental proceder a uma modificação estrutural na orgânica e legislação fundamental relativamente ao combate à corrupção", recomenda a pesquisa.
A Cedesa propõe que seja criado em Angola um órgão judiciário focado no combate à corrupção e uma nova orgânica judicial própria com a competência de instruir e julgar casos de corrupção e branqueamento de capitais (secções especializadas de tribunais, juízes e lei processual).
Sugere ainda a introdução de legislação que preveja a colaboração premiada e a possibilidade de acordos processuais homologados por juízes entre as partes de um caso criminal.
Segundo o documento, "estas três medidas são fundamentais para colocar o combate à corrupção no caminho certo".
Sobre o órgão judiciário focado no combate à corrupção, a Cedesa recomenda que o mesmo tenha poderes de investigar, revistar, buscar, apreender, escutar, deter, demandar cooperação internacional, entre outros pontos, especializado no combate à corrupção.
"Esse órgão centralizaria toda a investigação respeitante aos grandes casos de corrupção e branqueamento de capitais, tendo uma estrutura própria e estatuto igualmente separado dos outros órgãos", especifica o documento, exemplificando com o 'Serious Fraud Office (SFO), do Reino Unido.
Este seria, de acordo com a Cedesa, um órgão focado, com capacidade para investigar, acusar, arquivar ou chegar a acordo, proceder à arguição no caso em tribunal, recorrer, enfim, acompanhar os casos do princípio ao fim.
"Concomitantemente, seria estabelecido um juiz de instrução adstrito a esta criminalidade, bem como uma secção dentro dos tribunais comuns, por razões de constitucionalidade (artigo 176.º, n.º 5 da Constituição), dedicada ao julgamento de processos de corrupção e branqueamento de capitais (autorização de atos que exijam juiz)", refere o estudo sobre as secções especializadas nos tribunais comuns com a competência de julgar este tipo de casos.
No que se refere à legislação, a Cedesa considera que é "urgente" a aprovação de diplomas legais que facilitem e acelerem o combate à corrupção, permitindo a adoção de medidas de direito premial, bem como a possibilidade de se chegar a acordos nos processos entre as partes, estando tais acordos sujeitos a homologação de um juiz.
"Defende-se a existência do 'plea-bargain' (colaboração premiada), isto é, de negociações entre o Ministério Público e os arguidos, que levem à devolução de bens, uma pena mais leve ou inexistente e a denúncia de outros comparticipantes", salienta a pesquisa.
Caso "Luanda Leaks”
No estudo, a Cedesa refere o processo que envolve a empresária angolana Isabel dos Santos, depois de denúncias do ex-presidente do Conselho de Administração da Sonangol Carlos Saturnino, e acentuado com o "Luanda Leaks”, assinalando: "Facto é que, aparentemente, esta ainda não foi notificada para prestar declarações no processo-crime que então lhe foi aberto em Angola".
"A realidade é que existe o risco de um acentuado prolongamento neste processo, nem se condenando, nem se absolvendo, deixando um rasto de injustiça sobre toda a matéria", sublinha.
"O episódio cómico sobre o passaporte com a assinatura de Bruce Lee, que estaria num dos processos de Isabel dos Santos, é um primeiro sintoma ténue da hipótese de falhanço deste processo-símbolo do combate à corrupção em Angola", frisa o documento.