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Alberto Neto: Adiamento de autárquicas é estratégia do MPLA

18 de setembro de 2020

Segundo Alberto Neto, líder do Partido Democrático Angolano, ilegalizado em 2013, o MPLA sabe que não ganharia a 100% em todos os municípios. Por isso, não ficou surpreendido com a notícia do adiamento das autárquicas.

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Alberto Neto foi o terceiro candidato mais votado nas presidenciais de 1992Foto: João Carlos/DW

O adiamento das eleições autárquicas em Angola, que estavam previstas para este ano, não surpreende Alberto Neto, líder do Partido Democrático Angolano (PDA), ilegalizado em 2013. O terceiro candidato mais votado nas presidenciais de 1992 atribui tal decisão a manobras "táticas e estratégicas" de monopólio político do partido no poder" há mais de 40 anos.

É desta forma que o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) nega, "com uma certa habilidade, que não será possível a realização das eleições municipais", critica o constitucionalista formado em Direito, em entrevista exclusiva à DW África, em Lisboa, a capital portuguesa.

DW África: O que pensa da decisão do Presidente angolano João Lourenço de adiar as eleições autárquicas que estavam previstas para este ano de 2020?

Alberto Neto (AN): Porque é que devemos questionar que só agora é que se fala da realização da eleições? A minha opinião é a seguinte: as eleições autárquicas fazem parte de um conjunto de processo de auscultação do povo dentro do quadro da democracia moderna. O que aconteceu, depois da independência, é que nós nunca tivemos eleições para a Constituinte, nunca tivemos eleições que determinassem seis mandatos para um Presidente da República, nunca tivemos eleições para o Parlamento africano, nunca tivemos eleições regionais e nunca tivemos eleições locais ou autárquicas. Por conseguinte, a semente nunca foi colocada no campo da democracia. Por isso, não me surpreende que, por razões táticas ou estratégicas, o partido no poder tenha também negado com uma certa habilidade que não será possível a realização das eleições autárquicas para 2020.

João Lourenço, Angola Präsident
Presidente angolano, João Lourenço Foto: Getty Images/M. Spatari

DW África: O Presidente João Lourenço defendeu-se com a situação da Covid-19, afirmando que ninguém tem culpa do adiamento das eleições autárquicas...

AN: Isto é discutível. Nem é culpado de não ter havido nunca eleições em Angola, nomeadamente as eleições autárquicas. Fizeram um ensaio de eleições na Assembleia do Povo, ainda me lembro, no período em que sem ser membro de nenhum partido, porque foi antes de 1992, eu fiz uma carta dirigida ao Governo para me candidatar para as eleições locais em Luanda, que teriam lugar a nível da Assembleia do Povo. Recebi uma carta dizendo que não era possível aceitar uma candidatura independente. Acho que há um outro aspeto importante da não culpabilização das eleições autárquicas. O problema é o seguinte: o MPLA gostaria de ter eleições autárquicas para ganhar nos 164 municípios. Para ganhar nos 164 municípios, nem que houvesse vários países na lua a se candidatarem para as eleições autárquicas, nenhum deles porque teriam partidos políticos na lua iria ganhar a 100%. E como já não é possível o MPLA ganhar eleições que ele próprio realiza a 100%, [porque] as eleições autárquicas seriam o grande desmoronar do monopólio político do MPLA, eles entenderam que não estão ainda criadas as condições para esse efeito. É necessário, por conseguinte, ensaiar táticas eleitorais de uma complexidade tal que faça com que, por exemplo, em todos os municípios Cabinda o MPLA ganha, em todos os municípios da Lunda Norte ou da Lunda Sul o MPLA ganha; em todos os municípios de Luanda em que o MPLA está a ser rejeitado, mas que ganhe.

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E, por conseguinte, esta situação parece-me derivar de um ponto: monopólio do partido no poder para ganhar as eleições autárquicas em todos os municípios. Para esse efeito, a única possibilidade que há é que o sistema eleitoral para as eleições autárquicas ainda não foi comprometido com a oposição, em que ganha, como foi o caso das eleições presidenciais, o candidato que estiver em primeiro lugar na lista. Eles [o MPLA] gostariam de fazer a mesma coisa em relação às eleições municipais. Aí é necessário recusar esse tipo de lista eleitoral ou, melhor dizendo, desse processo eleitoral. Por conseguinte, porque nos sabemos perfeitamente que essa é a maneira que foi engendrada no processo da Constituição que ainda está em vigor. Por esse motivo é que eu digo que enquanto não se desfazer essa armadilha, em bom português, acho que também estou de acordo que não há necessidade de se realizar eleições autárquicas. E, nesse caso, tanto a oposição parlamentar como o partido no poder não vão chegar a nenhuma conclusão. Vai haver uma negociação que pode originar rotura mas dizer que não há eleições autárquicas por causa do coronavírus é, francamente, abrir um ovo e não encontrar nem gema nem clara.

DW África: E qual é a sua perpetiva em relação às eleições presidenciais de 2023? Estas também poderão ser adiadas?

AN: No caso das eleições presidenciais e mesmo autárquicas, para concluir, enquanto não se fizer a modificação ou a revisão pontual da atual Constituição não deveremos falar de eleições presidenciais em Angola. Pela seguinte razão: é que o modelo do processo eleitoral que se pretende a nível das eleições presidenciais e creio que João Lourenço falou de eleições presidenciais e falou de eleições legislativas. Será que elas terão lugar no mesmo dia, dentro daquele modelo nós sabemos, que eu acabo de descrever?

DW África: Perante todo este cenário o que se pode esperar da oposição, nomeadamente da UNITA e da CASA-CE, entre outros? Terá tempo para se organizar e se constituir numa alternativa forte e credível ao MPLA? 

AN: Eu sempre indiquei aos concidadãos e à oposição política em Angola que é necessário unir as forças políticas para determinar uma mudança da situação e do regime em Angola. Portanto, se hoje a oposição quer criar uma frente única contra o MPLA e acho que até o João Lourenço está de acordo, porque sei que a maior oposição atualmente a funcionar em Angola está no [próprio] MPLA. O MPLA está de tal modo dividido que é bem possível que haja uma frente única contra o MPLA de direita em que alguns partidos políticos ou de uma maneira geral todos os partidos políticos se irão reagrupar. Por conseguinte, a minha visão é essa: é que a frente única contra o MPLA vai permitir que alguns elementos do MPLA se associem a essa frente única. Portanto, a sociedade civil angolana também é parte integrante da solução democrática em Angola e é bem possível que em função disso a frente única ganhe as próximas eleições presidenciais e as próximas eleições legislativas e autárquicas em Angola.

UNITA Flagge auf einer Kundgebung in Huambo in Angola
Bandeira da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) Foto: DW/N. Sul D'Angola

DW África: Podemos concluir, de acordo com a sua opinião, que uma oposição parlamentar dividiva e fragilizada contribuirá para perpetuar a continuação do MPLA no poder, já lá vão mais de 40 anos?

AN: Sim. A oposição não pode continuar a estar dividida porque desta forma é um divertimento para o MPLA e para o povo.

DW África: Acredita que há condições para a constituição dessa frente única contra o MPLA?

AN: A oposição parlamentar, atualmente, não está capaz de organizar a frente única, senão já o teria feito há muitos anos. É necessário maior empenho por parte dos elementos capazes de trazer a modificação política em Angola, isto é: os sindicatos, a juventude organizada nos diferentes partidos políticos com ou sem assento parlamentar e, naturalmente, as vozes da sociedade civil que hoje mais do que nunca se manifestam quer através das redes sociais ou quer através de modelos de contestação que são pacíficos. Hoje mais do que nunca Angola e o MPLA têm que contar com isso.

DW África: O projeto político de Abel Chivukuvuku, chumbado pelo Tribunal Constitucional, é, à partida, um exemplo dessa fragilidade entre os partidos da oposição?

AN: O Tribunal Constitucional no fundo é um organismo independente, segue as orientações recebidas de cima. Veja bem que durante o período de José Eduardo dos Santos, o Partido Democrático Angolano foi ilegalizado porque não havia da parte do MPLA uma atitude que levasse a aceitar outros posicionamentos políticos. Só são aceites outros posicionamentos na sociedade angolana através do Tribunal Constitucional quando esses atores da vida política se identificarem direta ou indiretamente com as aspirações do MPLA. Se não for o caso esses partidos políticos não poderão ser legalizados. Eu vou dar outro exemplo: nunca se realizaram eleições autárquicas no país. No entanto, há partidos políticos, incluindo o PDA  que foram ilegalizados por vontade expressa de José Eduardo dos Santos. E, naturalmente, em função disso é de se perguntar como é que se ilegaliza um partido político que nunca participou em eleições autárquicas, em eleições regionais, em eleições para o parlamento africano, etc. Aqui em Portugal, por exemplo, ou noutros países [da Europa], há partidos políticos que participam em eleições de todo o tipo e não obtêm os seus 5%, mas que não são ilegalizados pelo Tribunal Constitucional. Também há necessidade de rever no bom sentido o trabalho que deve ser feito pelo Tribunal Constitucional.

Koordinator von PRA-JA Servir Angola Abel Chivukuvuku
PRA-JA Servir Angola: Novo projeto político de Abel Chivukuvuku foi chumbado pelo Tribunal ConstitucionalFoto: DW/B. Ndomba

DW África: A questão que se coloca é: faz sentido mais partidos no sistema político angolano?

AN: Sim, faz sentido. Porque assim teremos partidos de direita, que estão no Parlamento, há partidos do centro e há partidos de esquerda. No Parlamento angolano qual é o partido de esquerda que existe? A minha resposta é: não há. Temos os marimbondos de direita, agora é preciso falar de marimbondos de esquerda, mas tudo isto são organizações políticas que visam reduzir a capacidade do povo de falar por si próprio.

DW África: Falando por si próprio, é um reformado político ou ainda tem um projeto para Angola?

AN: Sempre disse que estou na reserva da Nação. 

DW África: Admite ser um possível candidato às próximas eleições?

AN: Se o povo, dentro da frente única ou fora dela, aceitar que eu ainda tenho capacidade para liderar um processo, naturalmente que isso será talvez um assunto que eu tenha que falar com a minha família, com a minha esposa, e com os militantes - uns estão naquilo que se considera a clandestinidade cidadã - e se houver uma opinião a favor disso na sociedade, eu não direi que não me candidatarei para este ou aquele lugar. Mas tudo isso tem a ver muito com a evolução política que Angola vai conhecer.

DW África: Ainda sobre as presidenciais de 2023, está em condições de apontar outros nomes sonantes que podem contribuir para a mudança em alternativa a João Lourenço?

AN: Não serei eu a indicar os nomes pela simples razão de que o acordo para uma frente única ainda não se realizou e, por conseguinte, seria prematuro da minha parte indicar quem é que seria o candidato mais inteligente, mais sábio, mais unificador para levar avante um projeto político para as eleições presidenciais. Mas, deixe-me dizer, que os eventuais nomes que tem em mente, alguns dels, têm uma identificação ideológica. Essa identificação ideológica não está de acordo com as orientações supremas do que o povo quer. Partidos de direita existem em vários países e porque não deverão existir em Angola? Em Angola há. Portanto, esses partidos políticos de direita ou que estão fragilizados hoje ou que amanhã continuarão a ser fragilizados não podem contar com o meu apoio. Por conseguinte, Angola precisa de um regime socialista, democrático, onde a justiça social impera e onde não existirá nem nepotismo, nem corrupção nem bajulação de joelhos e sem coluna vertebral; que exista a possibilidade das massas populares serem donas do futuro dos seus filhos, dos seus netos, e para que esse regime seja um regime diferente. Angola tem que sair desta nomenclatura que durante 45 anos nada fez para o benefício do povo.

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