Africanos de bairro lisboeta vivem em condições desumanas
8 de março de 2017Fernando Coxi e Julieta Luvungam vivem há mais de 15 anos no popularmente conhecido bairro da Jamaica, na margem sul do Tejo, periferia da capital portuguesa. A família veio de Angola, somando hoje nove filhos, além de netos, alguns dos quais – os mais novos – ainda coabitam no mesmo espaço, sem as mais adequadas condições.
O marido, que para aqui veio em 1991, fez diligências para conseguir uma casa melhor. "O meu marido estava a pedir casa e disseram que não podia, que tem muita gente na lista à espera e estamos assim", conta Julieta Luvungam.
A residente esclarece que tem sido feito "o levantamento das pessoas" que vivem no bairro "desde 1995". Alguns moradores "têm direito [a casa] e alguns não têm". E foi "dito que nós não temos direito à casa", lamenta Julieta Luvungam.
No entanto, a família não perdeu a esperança. "Estamos à espera, só Deus é que sabe podem dar-nos uma casa". Enquanto espera, Julieta Luvungam e o marido continuam "a viver com os filhos num sítio apertado", com "meninas e rapazes a dormirem no mesmo [quarto]". Além disso, "é uma casa cheia de humidade". "Acabei agora de a limpar com lixívia, quase fiquei doente", afirma a moradora.
O casal engloba as 215 famílias do bairro, na sua maioria africanas e ciganas, que insistentemente têm reclamado as condições sub-humanas de habitabilidade e lutam pelo realojamento noutro espaço.
Há mais de 20 anos à espera
A realidade que enfrentam os cerca de 800 residentes é dura, reconhece Dirce Noronha, portuguesa de origem são-tomense e dirigente da Associação para o Desenvolvimento Social do Vale de Chícharos (ADSVC).
Erguidos há mais de 30 anos, sem que as obras tivessem sido concluídas, os prédios – propriedade da Urbangol, sociedade com sede num paraíso fiscal – foram sendo ocupados, na sua maioria, por imigrantes oriundos dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP).
"Depois do recenseamento em 1993, houve um grupo que saiu do bairro. Mais tarde, os grupos de 1996 e 1999, que estavam para sair, continuam à espera", esclarece Dirce Noronha.
Se por um lado, "a Câmara diz que não tem como realojar", por outro, a “AIRU [instituição ligada às Áreas Insuscetíveis de Reconversão Urbanística], que trabalhava com a Câmara nesse sentido, também não tem feito nada". Por isso, "o processo está parado há muitos anos", desabafa a dirigente da ADSVC.
Assim, à comunidade resta pouco mais do que esperar em "condições lastimáveis, com problemas de água, de saneamento básico" e também "com problemas de luz", aponta Dirce Noronha.
Os moradores lembram que têm filhos expostos a doenças, marginalidade e prostituição. Entre os residentes, estão doentes com junta médica que, sem alternativa depois de perderem o apoio das respetivas embaixadas, encontraram refúgio no bairro.
Não há dinheiro
Salimo Farã Mendes, que foi professor na Guiné-Bissau, vive na Jamaica desde 1996. Ele é um dos contemplados no recenseamento da Câmara para atribuição de uma nova casa. "Desde de 1997 que fizemos a inscrição para as casas", lembra.
"Pensávamos que realmente íamos sair daqui, mas afinal não", lamenta o morador. E o problema arrasta-se até aos dias de hoje.
Os moradores reclamam casas condignas e insistem junto da Câmara Municipal do Seixal para que se encontre uma solução à semelhança de concelhos como Almada e Sesimbra, onde problemas do género foram ultrapassados ao abrigo dos programas de erradicação de bairros degradados.
No entanto, "a câmara diz que o Estado não tem dinheiro", afirma Dirce Noronha. Além disso, "segundo dizem, isto tem dono e, como tal, o dono quer o [seu] espaço, como é lógico". Por isso, tenta-se chegar a um acordo entre as partes, até agora sem avanços.
Muitos dos habitantes do bairro da Jamaica, por estarem desempregados ou por terem rendimento insuficiente, não estão em condições de suportar os custos de um apartamento.
Os problemas foram expostos à Assembleia Municipal, adianta Dirce Noronha. A presidente da Associação do bairro lembra, inclusive, uma das conversas com o presidente da Câmara do Seixal, que admitiu uma possível solução ainda este ano.
Mas a "promessa de resolver é de todos os anos e até então nada têm feito, nada mesmo", desvaloriza Dirce Noronha, da Associação para o Desenvolvimento Social do Vale de Chícharos.
A DW contactou a Câmara Municipal do Seixal de modo a obter esclarecimentos sobre os planos da autarquia para o bairro, mas não foi possível obter resposta.