Era uma vez o Acordo Ortográfico...
14 de junho de 2019José Eduardo Agualusa é pragmático quanto ao debate que ainda se levanta sobre a aplicação das novas regras do Acordo Ortográfico, já ratificado pela maioria dos países de língua portuguesa. Segundo o escritor angolano, "não faz sentido continuar a discutir um assunto que é tão antigo".
"Eu lembro-me que este assunto começou quando iniciei a minha carreira de jornalista. Foi há muitos anos. Mais de 30 anos", comenta.
Agualusa recorda que, na altura, "veio a Portugal o Antônio Houaiss, que é o grande incentivador do Dicionário Houaiss - que é um dicionário extraordinário da língua portuguesa - para defender uma ortografia comum no território da língua. E esteve a recebê-lo aqui a Natália Correia, que era completamente a favor desta ideia. É uma pena que não esteja viva. Acho que, se a Natália estivesse viva, estas discussões absurdas que ainda decorrem hoje não decorreriam."
O escritor é contundente: "[O Acordo Ortográfico] só não está oficializado em Angola e em Moçambique por várias razões, sobretudo por incompetência dos governos locais."
Quem se importa com as línguas bantu?
Para não se perder mais tempo fazendo prolongar o debate sobre o tratado, o escritor defende outras prioridades, entre elas a definição de uma política da língua, que promova também as línguas nacionais.
"Devíamos estar a discutir as grandes questões, e uma das questões é essa. Quer dizer, o português não está sozinho em nenhum país onde se fala português", afirma. "Nem em Portugal".
"Em Portugal, existe uma outra língua nacional, que é o mirandês, e o português convive com essas línguas, namora com essas línguas, recebe delas palavras, sentimentos, etc., mas algumas dessas línguas estão em perigo devido paradoxalmente ao crescimento exponencial do português, sobretudo em Angola."
No país, fala-se cada vez menos em kimbundu, por exemplo. Agualusa recorda que "no século XIX, a sociedade luandense era bilingue. Mesmo os portugueses, quando se fixavam em Luanda, tinham de aprender a falar kimbundu. Havia jornais escritos em kimbundu e hoje o kimbundu está em declíneo, sobretudo devido à forma forte como o português se afirmou."
"Eu não acho que tem de ser assim. Acho que é possível que o português cresça e afirme em conjunto com as línguas nacionais" - é preciso devolver dignidade e força às línguas nacionais, acentua Agualusa.
Incongruências do Acordo Ortográfico
Tomás Gavino Coelho, outro escritor angolano já com alguns títulos publicados, não segue as regras do novo Acordo Ortográfico, não por uma questão de preconceito. Aponta algumas incongruências do acordo, mas lembra o escritor português, Nobel da Literatura (1998).
"O Saramago dizia que não há uma língua portuguesa, há línguas em português, porque cada país tem a sua dinâmica própria de linguagem, de escrita; são dinâmicas que é impossível congregar em todos os países que falam a língua portuguesa", diz.
Na sua opinião, são questões políticas que levam Angola e Moçambique a não ratificar ainda o acordo: "Mas eu não sou um estudioso do assunto, não estou preocupado", ressalva. "Escrevo à maneira antiga e se houver algum editor que me exija corrigir aquilo para o novo acordo não faço questão de recusar ou não recusar. Para mim é igual."
Coesão nacional
Para o escritor, no caso de Angola, a língua portuguesa é a que faz a coesão nacional: "Há sete línguas nacionais em Angola. Qual delas irão eles adotar? É impossível fazer isso. Eu penso que a língua portuguesa, por enquanto, é que congrega e faz a coesão do país."
Por sua vez, José Eduardo Agualusa aponta a necessidade de políticas de alfabetização, com os contributos de Portugal e do Brasil, mas com base numa ortografia unificada: "Vamos discutir, por exemplo, a criação de boa redes de bibliotecas públicas em Angola, em Moçambique, Cabo Verde, na Guiné-Bissau, etc. Essas são as questões importantes que importa discutir."