"A luta continua", diz ativista expulsa de Moçambique
1 de abril de 2016Eva Anadón Moreno foi para Moçambique há cerca de quatro anos para trabalhar num projeto das Nações Unidas. Esteve envolvida em vários programas relacionados com os direitos das mulheres e, atualmente, faz parte do secretariado internacional da Marcha Mundial das Mulheres, um movimento feminista. Esta semana, foi expulsa de Moçambique.
A ativista participou, a 18 de março, numa atividade junto de uma escola moçambicana contra o assédio sexual. Foi detida nesse dia em conjunto com outras quatro ativistas, e foram libertadas passado algumas horas. Três das ativistas eram moçambicanas, outra era uma cidadã brasileira, que estava apenas de passagem e saiu do país poucos dias depois.
Mas, na quarta-feira, as autoridades moçambicanas expulsaram Eva Anadón, alegadamente por ter participado numa "manifestação ilegal [...] gritando slogans contrários aos bons costumes da República de Moçambique", segundo um comunicado do Ministério do Interior.
O despacho gerou uma onda de críticas. Vários ativistas consideraram a medida excessiva. Esta sexta-feira, o embaixador moçambicano em Madrid, José António Matsinha, foi convocado pelo Governo espanhol para uma reunião. A Procuradoria-Geral da República de Moçambique garantiu que vai averiguar o caso.
A DW África falou com Eva Anadón Moreno sobre as circunstâncias da expulsão e os próximos passos da ativista.
DW África: Como reagiu ao ser informada de que iria ser expulsa de Moçambique?
Eva Anadón Moreno (EAM): Foi tudo muito rápido. O processo de expulsão tem sido irregular. O despacho do Ministério citava a minha expulsão, mas não se falava sobre o procedimento da expulsão. Eu não sabia quantas horas tinha para arrumar as minhas coisas. Como isso não estava claro, quando recebi o despacho fui imediatamente colocada num carro e levada para o aeroporto.
DW África: Qual o motivo apresentado pelas autoridades para a expulsarem?
EAM: O que alegam é que participei numa manifestação ilegal, que atentava contra os bons costumes de Moçambique, e que eu, como estrangeira, não tenho o direito de participar em manifestações ilegais. Mas não foi uma manifestação, isso é apenas o que o Governo está a tentar vender. Na verdade, foi uma atividade que diferentes organizações e movimentos da sociedade civil estavam a organizar perto de uma escola secundária para denunciar o assédio sexual, as violações e a violência sexual que meninas e raparigas estão a sofrer nas escolas.
DW África: Considera que esta expulsão pode ser, de alguma forma, um aviso internacional?
EAM: Sim, porque efetivamente este acontecimento não me afeta só a mim e já me ultrapassou. Está a ser interpretado por todo o mundo como uma mensagem do Governo para a sociedade civil.
DW África: Esteve quatro anos em Moçambique a lutar pelos direitos das mulheres. Acha que o Governo está a ser demasiado duro ao restringir o uso de mini-saias?
EAM: Não, o assunto é outro. Nós não não estamos a defender o uso das mini-saias. O assunto é que o Governo deve garantir a proteção das meninas e das raparigas dentro das escolas, e deve criminalizar os agressores e garantir condições para que todas elas possam frequentar a escola de forma segura. O que queremos dizer é que o tamanho e o comprimento da saia não afeta isso. Há mulheres que estão a levar capulanas e também estão a ser violadas.
A questão é onde se coloca o foco na proteção das raparigas. Porque, quando se diz que elas estão a ser violadas porque a saia mostra os joelhos, isso não é proteger as raparigas, é culpabilizá-las e criminalizá-las. E nós dizemos "não" a isso. O culpado é o agressor, e o que se deve fazer é punir o agressor e não controlar o tamanho das saias.
DW África: Acredita que poderá voltar ao país?
EAM: Por enquanto, há uma interdição para eu não voltar nos próximos 10 anos a Moçambique, mas o despacho [do Ministério do Interior] está ser contestado. Não sei se vai ter algum resultado ou não.
Mas eu trabalho para um movimento internacional. Estou envolvida na luta pelos direitos das mulheres - e continuarei a estar envolvida, seja aqui, em Moçambique ou noutro país. A luta continua.