Houve mais de 700 mortos no Monte Sumi
13 de julho de 2015Três meses depois, continua por esclarecer a morte de várias pessoas seguidoras do pastor Kalupeteka, da seita "A Luz do Mundo", na província angolana do Huambo. As informações sobre o real número de mortos divergem, consoante quem as emite. O governo fala em nove polícias mortos e 13 vítimas civis. Por sua vez, a oposição chegou a falar em mais de mil vítimas de um hediondo massacre que o governo quer encobrir e esconder aos olhos do mundo.
"700 pessoas morreram porquê?"
Agora surge um depoimento de uma testemunha ocular, a declaração de Fernando Kalupeteka, um dos filhos do pastor José Kalupeteka, que o jornalista William Tonet conseguiu localizar, algures no mato, na região de Caála, no Huambo. A DW teve acesso às declarações, em que Fernando Kalupeteka fala de mais de 700 mortos: "Ali no Sumi morreu muita gente. 700 pessoas morreram no Sumi." Fernando Kalupeteka afirma que presenciou tudo e que, por isso, estaria em condições de falar em primeira mão: "Eu estava no Sumi. Vi a tropa a massacrar as mulheres grávidas, com as suas barrigas. Eu vi com a minha vista. Eu só quero perguntar: 700 pessoas que morreram no Sumi, morreram porquê?"
As mortes deram-se na sequência de confrontos entre a Polícia Nacional de Angola e os seguidores da seita religiosa "A Luz do Mundo", liderada por José Kalupeteka, no município de Caála e no Monte Sumi, na província do Huambo, em meados de abril. Recorde-se que a seita que tinha milhares de seguidores era acusada pelas autoridades angolanas de desrespeito pelas leis do país, nomeadamente, de proibir crianças de frequentar escolas e tomar vacinas. O conflito que envolveu o próprio governador do Huambo, Kundi Paihama, alastrou-se e culminou em detenções, confrontos físicos entre seguidores e polícias e mesmo mortes. Quantas pessoas terão perdido a vida? Vários observadores falam em mais de mil vítimas. Mas as autoridades de Angola continuam a dizer que teriam morrido apenas 9 polícias e 13 civis.
Não foi apresentado um único cadáver de um único civil
O jornalista angolano William Tonet, diretor do Folha 8, semanário crítico ao regime angolano, não acredita na versão das autoridades: "O caricato é que nem os 13 corpos o governo consegue apresentar." William Tonet recorda que em Huambo houve um funeral, em que foram enterrados os nove polícias, mas três meses depois ainda não foram mostrados os corpos dos membros da seita."
Note-se que a estratégia do governo angolano de abafar o assunto tem surtido algum efeito, segundo admitem alguns observadores. É praticamente impossível aceder ao local, que as forças transformaram numa zona altamente militarizada, segundo afirma William Tonet: "Tentei contactar legalmente as autoridades para vêr se podíamos ir ao Monte Sumi, mas caricatamente transformaram aquilo numa área militar. Isso inviabiliza que se possa ir lá para apurar a verdade". O jornalista procurou as aldeias da região durante cinco dias, mas não encontrou nenhuma aldeia que tenha acolhido os elementos da seita: "Só depois de muito tempo é que encontrámos alguém que nos indicou onde poderíamos localizar os filhos do Kalupeteka", afirma William Tonet em entrevista à DW.
Muitos seguidores da seita desapareceram
Note-se que o líder da seita, a sua esposa e vários filhos estão presos, em sítio incerto, e impedidos de serem contactados por organizações de direitos humanos e advogados. As autoridades angolanas afirmam que os seguidores da seita teriam sido levados para um acampamento, que - segundo William Tonet - "simplesmente não existe". O jornalista, depois de muita insistência, conseguiu localizar alguns dos filhos de Kalupeteka, que ainda não foram presos, tendo-se refugiado no mato, registando o testemundo de Fernando Kalupeka, já adolescente, que afirma ter medo de ser preso, torturado ou mesmo morto, pela polícia angolana: "Por isso ando no mato. Prefiro ficar aqui com os mosquitos a morder o meu corpo, com fome. Eu prefiro assim."
Testemunho credível, ignorado pelo governo e pelo mundo
Um depoimento considerado credível pelo jornalista, mas que as autoridades angolanas não querem ouvir, segundo William Tonet. "É o primeiro depoimento que vem dar consistência às imagens, também em nossa posse, da chacina cometida pelas tropas, o que alavanca a tese de ter havido, na realidade, um genocídio. Não foi apenas um ajuste de contas pela morte de nove polícias. Foi mesmo uma verdadeira chacina, un autêntico genocídio."
Quem deverá ser responsabilizado pelos acontecimentos? Para William Tonet, que também é jurista, a questão está clara: "Do ponto de vista imediato, quem estava no terreno, quem deu orientações à polícia para ir lá repor a autoridade, foi o governador provincial do Huambo, Kundi Paihama. Mas do ponto de vista constitucional a responsabilidade do genocídio incumbe ao Presidente da Repúbica, porque ele é o titular do poder executivo."
ONU quer investigação independente
Em maio, o Escritório do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos (ACNUDH), pediu que fosse nomeada uma comissão independente para investigar os confrontos na Monte do Sumi.
Segundo o organismo da ONU, há "factos por esclarecer" e "grandes diferenças no número de vítimas". O pedido de inquérito caiu mal ao Governo angolano, que afirmou que as declarações da ONU "não são sustentadas por quaisquer provas" e que foram "amparadas por falsas declarações prestadas por elementos tendenciosos e absolutamente irresponsáveis, com a intenção de difamar" o país.
Um massacre. Uma chacina. Alguns dizem mesmo "genocídio". São gravíssimas as acusações lançadas por políticos da oposição angolana, por defensores dos direitos humanos e também por jornalistas independentes. O depoimento de Fernando Kalupeteka é mais uma pedra que poderá ajudar a compor o mosaico.