15 de setembro de 1964
15 de setembro de 2016A progressista pianista brasileira Eunice Catunda foi uma influência decisiva para o desenvolvimento político do compositor veneziano Luigi Nono. Comunista declarada, é ela quem lhe apresenta na década de 1950 a poesia de Federico García Lorca.
Entre as primeiras obras do músico, consta o Epitafio para aquele poeta e dramaturgo espanhol, escrito em 1952. Neste mesmo ano Nono, que nascera numa abastada família de Veneza, torna-se membro do Partido Comunista Italiano.
O tambor ritual e a lata de lixo
Entre 1950 e 1960, o músico italiano frequenta os Cursos de Férias de Darmstadt, e lá estréia sete peças de sua autoria. A ruptura com a meca da música nova do pós-guerra – status dividido com Donaueschingen – não foi pacífica. Num escrito de 1959, Nono ataca uma vanguarda que, a seu ver, admirava fascinada o próprio umbigo e que – após as primeiras aparições de John Cage na Europa – tentava alcançar o nirvana musical através de lances de dados.
"Não há qualquer diferença funcional entre um tambor ritual indiano – que nas modernas residências européias serve de lata de lixo – e os orientalismos empregados por uma cultura ocidental a fim de tornar mais atraentes suas manipulações de materiais", protestava.
O afastamento já se anunciara dois anos antes, na polêmica com o colega Karlheinz Stockhausen em torno de Il canto sospeso. O veneziano escrevera a obra baseado em cartas de despedida de membros da Resistência europeia condenados à morte. Em sua opinião, só se podia considerar "contemporâneo" um artista que, em sua obra, se posicionasse quanto ao tempo em que vivia.
E fôra justamente esse conteúdo político que Stockhausen tentara negar, ao analisar Il canto sospeso num programa de rádio, reinterpretando a obra de forma a encaixá-la em "sua própria" vanguarda.
Libertando as musas
Nono seguirá até as últimas consequências sua visão de arte política, a esperança ativa de libertar as musas das engrenagens de uma indústria musical "a serviço da burguesia". Assim, em 1964, inicia uma longa série de concertos-palestras para operários e estudantes italianos, em fábricas, clubes e outros locais radicalmente off-off, de Gênova até o desfavorecido sul do país.
Em 15 de setembro de 1964 estreia no Festival de Veneza La fabbrica illuminata, para voz feminina e fita quadrofônica, com a soprano Carla Henius e regência sonora do próprio compositor. Nono se aprofundara na produção e processamento de sons por meios eletrônicos a partir de 1960: sua primeira obra eletroacústica intitulou-se Ommagio a Emilio Vedova.
Parte da matéria-prima sonora de La fabbrica são ruídos gravados no dia-a-dia de uma metalúrgica. A obra é dedicada aos operários da Italsider, a maior produtora italiana de aço na época. A unidade na cidade portuária de Gênova foi apelidada "a usina dos mortos", devido às más condições e aos numerosos acidentes de trabalho.
Triste América
Em 1966, a Ars Viva, editora que publicara todas as obras de Nono até então, suspende seu contrato, já que o compositor insistia em trabalhar com textos de poetas tão "subversivos" quanto Bertolt Brecht.
Logo no ano seguinte o ativista político realiza sua primeira viagem à América Latina, onde mantém contato com os movimentos revolucionários. A única incursão de Nono na música para cinema foi em um filme cubano: Un hombre de éxito (1985), de Humberto Solás. O comprometimento com a causa revolucionária e, especificamente, com os destinos político-sociais da América Latina o acompanharão até o fim da vida.
Suas três últimas obras – Caminantes... Ayacucho, inspirada numa região do sul do Peru; No hay caminos, hay que caminar... Andrej Tarkovskij (ambas concluídas em 1987); "Hay que caminar" soñando (1989) – têm como ponto de partida comum uma frase colhida no muro de um mosteiro de Toledo: "Caminhantes, não há caminhos, há que caminhar", e que se tornou um lema para Nono.
Este trítico musical contém o convite à recusa dos dogmas aprisionantes, à busca incessante, a seguir o exemplo de Prometeu, semideus que levou o fogo aos homens, sem se deixar intimidar pela punição monstruosa.
Luigi Nono faleceu na Veneza natal, em 8 de maio de 1990.