Governo teria tentado trazer ilegalmente joias para Michelle
Publicado 4 de março de 2023Última atualização 4 de março de 2023O governo do ex-presidente Jair Bolsonaro teria tentado trazer ao Brasil de forma ilegal joias avaliadas em cerca de R$ 16,5 milhões, segundo revelou nesta sexta-feira (03/03) uma reportagem do jornal O Estado de S.Paulo. As peças seriam presente do governo da Arábia Saudita para a então primeira-dama, Michelle Bolsonaro.
De acordo com a reportagem, os artigos de luxo foram apreendidos na volta de uma viagem de uma comitiva do governo Bolsonaro à Arábia Saudita em outubro de 2021. As joias estariam na mochila de um militar que era assessor do então ministro de Minas e Energia, Bento Alburquerque.
A apreensão das peças foi confirmada pelo atual ministro da Secretaria Especial de Comunicação Social, Paulo Pimenta, que divulgou no Twitter imagens dos objetos de um documento que relata o corrido na alfândega do aeroporto de Guarulhos.
O documento afirma que o militar disse não ter nada a declarar, porém, ao passar pela alfândega, a Receita Federal solicitou ao assessor para colocar a mochila no raio-x, onde "observou-se a provável existência de joias". A bagagem então foi revistada e os agentes encontraram um par de brincos, um anel, um colar e um relógio com diamantes. Os objetos foram apreendidos.
De acordo com a lei, para entrar no país com mercadorias adquiridas no exterior com valor superior a 1 mil dólares (pouco mais de R$ 5 mil), o viajante deve declarar o bem e pagar um imposto de importação equivalente a 50% do valor do produto. Caso tenha omitido a declaração, como fez o assessor do governo, para a liberação do bem, além do pagamento do imposto é aplicada uma multa adicional de 25% do valor. Sendo assim, para reaver as joias, Bolsonaro deveria desembolsar cerca de R$ 12 milhões.
Tentativas de reaver as joias
Após a retenção das joias, ainda segundo o documento, o militar informou o corrido ao ministro, que tentou liberar as peças dizendo aos agentes que elas eram um presente para Michelle. Apesar da intervenção de Bento Albuquerque, o agente da Receita manteve a apreensão.
De acordo com O Estado de S.Paulo, o governo Bolsonaro fez outras três tentativas de recuperar as joias, mobilizando os Ministérios da Economia, Minas e Energia e das Relações Exteriores. Numa delas, em 3 de novembro de 2021, o Ministério de Minas e Energia teria pedido que o Itamaraty tentasse liberar as peças. Segundo a reportagem, a Receita informou que isso só seria possível se fosse feito o pagamento do imposto e da multa.
O jornal afirmou ainda que o comando da Receita também tentou conseguir a liberação, mas os fiscais, que têm estabilidade na carreira, negaram o pedido.
Poucos dias antes do fim do governo, em 28 de dezembro de 2022, outra tentativa teria sido feita. Nela, o próprio Bolsonaro teria enviado um ofício para a Receita pedindo a liberação dos bens, mas não teve sucesso. No dia seguinte, um funcionário do governo teria ido a Guarulhos tentar recuperar as peças, argumentando que elas não podiam ficar retidas devido à mudança de governo. "Não pode ter nada do [governo] antigo para o próximo. Tem que tirar tudo e levar", ele teria dito, de acordo com a reportagem.
Numa das tentativas de recuperar as peças ainda em 2021, o governo Bolsonaro alegou que as joias seriam analisadas para incorporação "ao acervo privado do Presidente da República ou ao acervo público da Presidência da República". A justificativa aparece num documento divulgado nas redes sociais pelo ex-chefe da Secretaria Especial de Comunicação Social Fabio Wajngarten, após a revelação do caso.
Em outro ofício do gabinete de Bento Albuquerque do mesmo ano, é pedida a liberação dos "presentes retidos", ao alegar ser "necessário e imprescindível que seja dado ao acervo o destino legal adequado". O documento, no entanto, não menciona o destino que seria dado às joias.
Alternativa legal de entrada
Havia uma alternativa para a entrada legal das joias no Brasil sem o pagamento de impostos. Para isso, o governo precisava declará-las como presente oficial para o Estado brasileiro. Porém, as peças seriam, então, propriedade do Estado, com quem deveria ficar, ou seja, elas não pertenceriam à primeira-dama.
Após a publicação da reportagem, Michelle Bolsonaro negou ter conhecimento do caso. "Quer dizer que eu tenho tudo isso e não estava sabendo? Meu Deus! Vocês vão longe mesmo hein?! Estou rindo da falta de cabimento dessa imprenssa [sic] vexatória", publicou a esposa de Jair Bolsonaro numa rede social.
O ex-presidente negou irregularidades no caso. "Estou sendo acusado de um presente que eu não pedi, nem recebi. Não existe qualquer ilegalidade da minha parte. Nunca pratiquei ilegalidade", disse Bolsonaro à emissora CNN Brasil.
Ao jornal Folha de S.Paulo, o ex-ministro Bento Alburquerque negou que sua equipe teria tentado trazer presentes caros para Michelle e que ele próprio teria tentado reaver as peças. "Eu já tinha passado pela imigração e pela alfândega [em Guarulhos] quando fui chamado de volta porque abriram a mala do Soeiro e descobriram as joias. Não sabíamos do conteúdo. Achávamos que eram presentes convencionais, não joias", afirmou.
Após a revelação do caso, o ministro da Justiça, Flávio Dino, disse que solicitará à Polícia Federal uma investigação. "Fatos relativos a joias que podem configurar os crimes de descaminho, peculato e lavagem de dinheiro, entre outros possíveis delitos, serão levados ao conhecimento oficial da Polícia Federal para providências legais", afirmou.
cn (ots)