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PolíticaPortugal

Brasil pede ação concreta de Portugal por reparação colonial

24 de abril de 2024

Após presidente português sugerir pagamento por "custos" de crimes da era colonial, como a escravidão, ministra Anielle Franco afirma que sua pasta entrou em contato com Lisboa para definir próximos passos.

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Pintura mostra escravo amarrado a um poste e levando chicotadas
"Execução da punição de açoitamento", pintura do francês Jean-Baptiste Debret (1768-1848) mostra escravo sendo castigado no Brasil no século 19Foto: picture-alliance/Bibliothèque Nationale

A ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, pediu nesta quarta-feira (24/04) "ações concretas" por parte de Portugal após o presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, sugerir que o país europeu considere pagar reparações por crimes cometidos durante a era colonial, como o tráfico de escravos.

Em um evento com jornalistas estrangeiros na noite de terça-feira, Rebelo de Souza disse que Portugal "assume total responsabilidade" por erros do passado e que crimes cometidos durante a era colonial tiveram "custos". "Temos que pagar os custos", afirmou. "Há ações que não foram punidas e os responsáveis não foram presos? Há bens que foram saqueados e não foram devolvidos? Vamos ver como podemos reparar isso."

"É realmente muito importante e contundente essa declaração", afirmou Franco ao portal G1. "Pela primeira vez a gente está fazendo um debate dessa dimensão a nível internacional", disse a ministra, acrescentando ainda que tais declarações são "fruto de séculos de cobrança da população negra".

Anielle Franco fala em microfone, em frente a uma bandeira do Brasil
Anielle Franco: debate sobre compensação reflete "fruto de séculos de cobrança da população negra"Foto: Evaristo Sa/AFP

Ela sublinhou que "essa declaração precisa vir seguida de ações concretas, como o próprio presidente [de Portugal] parece estar ali comprometendo-se a fazer". "Nossa equipe já está em contato com o governo português para dialogar sobre como pensar essas ações e a partir daqui quais passos serão tomados."

Em abril de 2023, Rebelo de Sousa já havia defendido que Portugal devia um pedido de desculpas e assumir a responsabilidade pela exploração e pela escravidão no período colonial. "Não é apenas pedir desculpa – devida, sem dúvida – por aquilo que fizemos, porque pedir desculpa é às vezes o que há de mais fácil, pede-se desculpa, vira-se as costas, e está cumprida a função. Não, é o assumir a responsabilidade para o futuro daquilo que de bom e de mau fizemos no passado", defendeu.

Marcelo Rebelo de Sousa falando em microfone
Rebelo de Souza: Portugal "assume total responsabilidade" por erros do passadoFoto: Nuno Cruz/NurPhoto/picture alliance

Portugal traficou quase 6 milhões de africanos

Pelo menos 12,5 milhões de africanos foram sequestrados e transportados à força por navios europeus e vendidos como escravos nos séculos 15 a 19, embora algumas estimativas citem 20 ou 30 milhões. Aqueles que sobreviveram à viagem brutal acabaram trabalhando em condições desumanas nas Américas, principalmente no Brasil e no Caribe, garantindo enormes lucros para seus proprietários.

O comércio de escravos era dominado pela Grã-Bretanha e por Portugal, embora os EUA, a Holanda, a Espanha, a França, a Dinamarca e a Suécia também estivessem bastante envolvidos.

Portugal traficou quase 6 milhões de africanos, mas até agora não confrontou seu passado e pouco se ensina sobre seu papel na escravidão transatlântica nas escolas. Em vez disso, a era colonial de Portugal, durante a qual países como Angola, Moçambique, Brasil, Cabo Verde e Timor Leste, bem como partes da Índia, foram submetidos ao domínio português, é frequentemente vista como uma fonte de orgulho.

Ativistas de direitos humanos defendem a definição de reparações e de políticas públicas para combater desigualdades relacionadas ao período colonial, incluindo o racismo sistêmico.

Pressão crescente por reparações pela escravidão

A ideia de pagar reparações e adotar outras medidas relacionadas à escravidão transatlântica vem ganhando força em todo o mundo, incluindo esforços para estabelecer um tribunal especial sobre a questão.

Em novembro de 2023, delegados presentes na Conferência de Reparação de Acra criaram uma frente unificada para demandar dos países escravocratas compensação por captura, tráfico e exploração de milhões de pessoas nos séculos passados, e concordaram em estabelecer um fundo global para centralizar o recebimento de indenizações pela escravidão.

Muitos estudos já tentaram estimar o custo do comércio de escravos para a África. O Report on Reparations for Transatlantic Chattel Slavery in the Americas and the Caribbean (Relatório sobre reparações pela escravidão transatlântica nas Américas e no Caribe) concluiu que, de acordo com a lei internacional, as nações escravocratas devem somas astronômicas.

O trabalho, conhecido como Relatório Battle, estimou que o custo global do comércio de escravos poderia chegar a 131 trilhões de dólares (R$ 674 trilhões), tanto pelos danos provocados durante o período da escravidão como por aqueles causados após a abolição. De acordo com o estudo, os Estados Unidos devem quase 27 trilhões de dólares (R$ 139 trilhões), o Reino Unido, 24 trilhões de dólares (R$ 124 trilhões), e Portugal, quase 21 trilhões de dólares (R$ 108 trilhões) em reparações. Nessa estimativa, o Brasil teria que pagar 4,4 trilhões de dólares (R$ 23 trilhões).

Segundo o documento, apesar de o Brasil ser o país que recebeu mais escravos africanos (mais de 3,1 milhões), os Estados Unidos são o país onde mais pessoas nasceram na escravidão (mais de 7,5 milhões).

A ONU também apresentou um relatório delineando passos concretos para lidar com os danos sofridos pelas pessoas de ascendência africana. O documento reconhece que a avaliação dos danos econômicos pode "ser extremamente difícil devido ao tempo decorrido e à dificuldade de identificar os perpetradores e as vítimas". No entanto, enfatiza que "tais dificuldades não podem ser a base para anular a existência de obrigações legais subjacentes".

bl (Lusa, Reuters, DW)