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EMATUM: Moçambique ocultou empréstimo a investidores

Madalena Sampaio / Lusa5 de abril de 2016

Os investidores só foram informados do empréstimo depois da aprovação da reestruturação da dívida da Empresa Moçambicana de Atum, no final do mês passado. Centro de Integridade Pública insiste em mais transparência.

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Os barcos da EMATUM estão parados no porto de Maputo, a capital moçambiqanaFoto: EMATUM

O Governo escondeu dos investidores um empréstimo de 622 milhões de dólares, revelou esta segunda-feira (04.04) o Wall Street Journal. O dinheiro foi obtido em 2013, ano do auge das descobertas de gás natural no país, e serviu para financiar a compra de navios e radares para combater a pirataria.

Segundo o jornal, os investidores só foram informados desta dívida no final do mês passado, depois de a maioria dos detentores de títulos ter aprovado a reestruturação da dívida da Empresa Moçambicana de Atum (EMATUM).

Moçambique tem tido dificuldades de pagamento da dívida sobretudo devido à descida do preço das matérias-primas. Por causa do mau negócio da EMATUM, o país tem sido apontado por vários jornais e agências financeiras como um "caso de estudo" sobre os perigos de apostar em mercados emergentes.

A EMATUM é detida por várias entidades públicas, incluindo a secreta moçambicana. O polémico negócio serviu também para a compra de equipamento militar, mas depois da pressão dos países doadores acabou por ser inscrito num orçamento retificativo no ano passado.

A DW África falou sobre o tema com Borges Nhamire, do Centro de Integridade Pública (CIP) de Moçambique, que insiste em mais transparência e na prestação de contas por parte do Governo.

DW África: Segundo o Wall Street Journal, em 2013, Moçambique escondeu dos investidores da EMATUM um empréstimo de 622 milhões de dólares. Na sua opinião, porque é que os investidores só foram informados do empréstimo depois da aprovação da reestruturação da dívida da empresa moçambicana?

Borges Nhamire (BN): Na minha opinião, essa informação não foi revelada a nível interno porque por detrás deste negócio há interesses individuais de figuras da elite política governante. A ideia era criar empresas que iriam fazer o trabalho de segurança para garantir a proteção costeira de Moçambique, para proteger os recursos naturais, para proteger precisamente as empresas que trabalham na exploração do gás natural, na Bacia do Rovuma essencialmente. Era uma janela de negócios para indivíduos e não para o Estado.

Mosambik Borges Nhamire
Borges Nhamire, investigador do CIPFoto: DW/J. Beck

É uma empresa onde se aglutinam generais das Forças Armadas e eles é que viam a oportunidade de, através dessa empresa, fazer negócios milionários de proteção costeira. Só que este negócio saiu mal porque os preços das commodities (matérias-primas), e necessariamente do gás, baixaram muito. Foi um empréstimo a acreditar num negócio que ainda não se efetivou e vai levar tempo para se efetivar. Estrategicamente, não tinham como revelar esta informação. Convinha revelar a informação que era para a compra de barcos de pesca de atum, mas aquele empréstimo destinado à compra de armas naturalmente nunca iria ser revelado.

DW África: Que consequências é que esta falta de transparência pode ter para o país?

BN: As consequências são muitas, como já se vivem neste momento em Moçambique. Há grande desvalorização da moeda, o dinheiro passou a ser mais caro para Moçambique e o próprio cidadão já paga mais dinheiro para ter acesso ao crédito. A vida está cada vez mais cara. O pão está caro, os transportes também estão cada vez mais caros. Mas também há consequências como a própria credibilidade do pais, do Governo e diria até da sustentabilidade do Estado. E se não for tomada uma acção concreta para esclarecer isto e tentar reverter a situação em que nos encontramos, os dias vão ser cada vez mais difíceis para Moçambique e para os moçambicanos.

DW África: Instituições financeiras internacionais têm apontado a emissão de dívida de 850 milhões de dólares como um exemplo negativo do estado das contas do país e criticam a falta de transparência. O CIP vai continuar a insistir na prestação de contas por parte do Governo?

BN: Isso é o que nós, enquanto CIP, temos estado a fazer todos os dias. É importante prestar contas porque o dinheiro é de todos nós, de todos os moçambicanos. Mesmo aquele que é emprestado é para ser pago por nós, pelos nossos filhos e netos, não é para ser pago pelos governantes. Um princípio básico de governação é a transparência. Tem que e prestar contas do que se está a gastar. Mas isso também reduz o nível de corrupção.

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Moçambique é um país extremamente corrupto, que está sempre no top dos dez países mais corruptos. Outra questão muito grave que aconteceu é que este crédito não foi discutido nem aprovado pelo Parlamento e os parlamentares são os representantes do povo. Significa que este crédito não foi aprovado pelo povo. É um negócio que foi feito pelo Governo e é responsabilidade exclusiva do Governo, mas as consequências são sentidas por todos.

DW África: Além disso, a EMATUM neste momento nem sequer está a produzir e os barcos estão enferrujados, como disse recentemente à DW África um economista. Como é que se justifica que o país tenha investido tanto dinheiro neste tipo de embarcações?

BN: Justifica-se porque o negócio de verdade não era a pesca de atum, o negócio verdadeiro era o negócio da compra de armamento e de barcos para a guarda costeira. A questão dos barcos foi aquilo que se apresentou ao público. Foi um negócio sujo, que beneficiou ou que se esperava beneficiasse algumas pessoas. Os barcos estão lá guardados e espera-se que venham a operar muito brevemente. Esse negócio de pesca de atum é tudo uma farsa.

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